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DESENVOLVIMENTO HUMANO, FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS TRANSFORMADORAS E GOVERNANÇA SOCIAL
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Badhaai Do: aqui e agora

Texto escrito por Gabriela e Sofia No texto de Once Again, refletimos sobre a beleza da integridade que reflete o alinhamento entre mente e coração, possibilitando que vivamos a realidade da vida com firmeza e afirmação da própria existência. Essas reflexões nos ensinaram a importância de aprendermos a abraçar as contradições, amar o necessário, e…


Texto escrito por Gabriela e Sofia

No texto de Once Again, refletimos sobre a beleza da integridade que reflete o alinhamento entre mente e coração, possibilitando que vivamos a realidade da vida com firmeza e afirmação da própria existência. Essas reflexões nos ensinaram a importância de aprendermos a abraçar as contradições, amar o necessário, e compreender o potencial transformador das nossas escolhas face aos limites da vida.

Hoje, voltamos a refletir sobre um filme que Mestre nos apresentou chamado Badhaai Do: casamento por conveniência. Baddhai Do é um filme que retrata a sociedade indiana, com foco na homofobia e os impactos dela no contexto familiar de pessoas LGBTQI+. 

O filme narra as dificuldades vividas pelos personagens principais Shardul e Sumi, que, aos 30 e poucos anos, sofrem com as pressões de suas famílias para se casarem e terem filhos. Contudo, Shardul é gay, e Sumi é lésbica, e nenhum dos dois compartilha com suas famílias informações sobre sua vida afetiva real. 

Sumi e Shardul se conhecem na delegacia onde Shardul trabalha. Após entrar em um aplicativo de relacionamentos lésbico e dar match com o perfil falso de um homem que se passava por uma mulher, Sumi está sendo perseguida por este stalker, que ameaça expô-la a sua família caso ela não queira se relacionar com ele. Ao tomar conhecimento da denúncia (mas não do motivo da perseguição), Shardul vai atrás do homem e dá-lhe uma lição. Neste momento, também descobre a razão da perseguição, e decide contatar Sumi novamente para propor um casamento de fachada. Nesta negociação, os dois poderiam seguir se relacionando livremente com quem desejassem, não precisariam assumir sua sexualidade aos familiares, e finalmente parariam de ser incomodados por seus pais para encontrarem um cônjuge. 

Após alguma reflexão, Sumi aceita a proposta e os dois se casam em uma grande cerimônia, com a participação de todos os familiares, um grande banquete e muitos presentes. Contudo, os meses se passam, e as famílias, não contentes em ver os dois casados, começam a pressioná-los para que tenham filhos. Os momentos constrangedores se multiplicam e as pressões crescem, até que, um dia, a mãe de Shardul entra no apartamento deles sem avisar e vê Sumi e sua namorada em um momento íntimo. A família de Shardul se reúne para discutir a situação, e critica Sumi por ser homossexual, enquanto tem pena de Shardul por ter sido “enganado”. Shardul participa de toda a conversa, e acaba chegando ao seu próprio limite depois de ouvir tantos xingamentos e críticas à Sumi, que sequer estava presente. Todas essas palavras, claro, se aplicam a ele, ainda que a família não saiba disso. 

Shardul, entretanto, não aguenta mais tamanha pressão e se assume ele mesmo para a família, em solidariedade a Sumi. Ele começa a questioná-los, e sai de cena para o telhado do prédio, com medo e agitado diante das reações de choque da família e das novas possibilidades que se abrem para seu futuro, que não parecem nada boas. Alguns instantes depois, sua mãe, que até aquele momento havia sido sempre silenciosa e resignada às decisões dos outros, se aproxima dele, e os dois se abraçam sem trocar nenhuma palavra, num gesto de compreensão e compaixão que transcende os papeis sociais aos quais os dois costumavam se adequar. 

A partir deste ponto, Shardul finalmente decide abrir mão de seus desejos pessoais, e começa a se tornar uma pessoa mais compassiva e empática ao sofrimento dos que estão à sua volta. Ele deixa de ser um observador passivo da sua realidade, que infelizmente ainda é bastante repressiva e homofóbica, para se tornar uma liderança transformadora, que serve aos demais sacrificando sua busca por um tipo específico de sucesso e elogios. Diante de tanto sofrimento próprio e de outras pessoas à sua volta, ele opta por mudar o curso dos eventos e oferecer sua contribuição para a mudança da sociedade onde vive, demonstrando grande coragem e determinação. 

Retomando nosso texto anterior acerca da minissérie Once Again, podemos passar novamente por Nietzsche quando este diz que “quando a vida exige o mais pesado é quando ela se torna mais leve”. Muitas vezes, diante de momentos desafiadores, recuamos e fugimos das dificuldades no relacionamento com o outro, ou com nós mesmos. Olhar para o nosso próprio abismo, em alguns momentos, gera sensações de medo, angústia, rejeição, raiva, negação ou outros sentimentos ruins e incômodos, o que pode nos levar a fugir, não apenas da situação, mas da própria sensação. Contudo, o que Mestre nos ensina é o oposto disso. Nos ensina a enfrentar e encarar o medo a partir da coragem. 

Essa coragem, contudo, não é aquela destrutiva, que chega acompanhada do medo e da raiva, mas sim uma coragem de guerreiro pacífico, que atravessa a raiva e o medo para chegar ao outro lado, no coração do outro, levando compaixão e generosidade. É um movimento que demanda treinamento e preparação, mas mais do que isso, demanda a própria experiência da ação que, bem-intencionada e tendo por objetivo a promoção da harmonia, não poderia influir em um erro, já que é o caminho do guerreiro pacífico em si. 

Ao final do filme, Sumi e Shardul optam por não oficializar o divórcio, pois Sumi e RimJhim, sua esposa, querem adotar uma criança, mas são impedidas de fazê-lo oficialmente pelas leis indianas, que ainda não permitem a adoção por casais homoafetivos. Shardul também gostaria de ter um filho, mas não sabe como fazer isso. Desta forma, Shardul e Sumi mantêm seu casamento legal, e os três assumem a parentalidade da criança. Na cerimônia de bênção do filho de Sumi, RimJhim e Shardul, alguns membros das duas famílias participam do evento sorridentes e tranquilos. Quando um policial hierarquicamente superior a Shardul entra na casa, desconhecendo a situação em curso, RimJhim, que estava sentada ao lado de sua esposa, se afasta de Sumi, e a tela escurece, indicando mais um final triste para um filme LGBT. Em geral, cortes deste tipo indicam a passagem de um longo período de tempo para um futuro distante onde tudo é diferente e muito melhor do que no presente. 

Mas, surpreendentemente, algo altera este final previsível: a ação do pai de Sumi. Ao perceber que RimJhim se afasta de sua filha para evitar algum tipo de incômodo com o superior de Shardul, ele sinaliza que ela retome seu lugar, e aponta: “Rimjhim! Sente-se ao lado da Sumi. Vá! Continue! A mãe precisa estar presente na cerimônia”. Assim, ele puxa o futuro distante e idílico para o presente, indicando claramente seu posicionamento: o futuro é feito no aqui e no agora, e por não desejar que esse final triste seja a realidade deles, o pai age no aqui e agora para que o futuro mude e seja outro, a partir de um gesto generoso e leal. 

Assistindo a esse gesto do pai de Sumi, Shardul percebe que ele também merece estar ao lado de quem ama, ainda que isso não agrade a todos que estejam presentes. Inspirado pela bondade que presenciou, Shardul aprendeu a ser bondoso consigo mesmo e chama seu namorado para sentar-se ao seu lado também. 

Na nossa perspectiva, Badhaai Do nos ensina a romper com as correntes que nos mantém aprisionados a uma vida de aparências e nos ensina a agir em defesa daquilo que é verdadeiro e pulsante em nós. Nos ensina a nos libertar da hipocrisia e assumir nossos desejos e sonhos. Nos ensina também como a gentileza pode ser contagiosa, e como juntos podemos fazer e ser mais do que seríamos capazes sozinhos. 

A aliança de Sumi e Shardul, ainda que inicialmente possa ser mal compreendida como um gesto de covardia, mostrou-se verdadeiramente bela e transformadora. Em um primeiro momento, os dois se uniram para que, ainda que em segredo, não sucumbissem, em um momento de fraqueza e solidão, à obrigação de viver a vida que a sociedade impõe com grande violência às pessoas LGBTQIA+. Depois, foi a amizade desenvolvida entre os dois, potencializada pela empatia e pela lealdade, que possibilitou aos dois libertarem-se de seus algozes e assumirem suas verdadeiras vidas e amores.

Apesar de Badhaai Do representar a sociedade indiana, a história apresentada também reflete bastante a sociedade brasileira, educada para criar seus filhos baseados na opressão e na reprodução de uma vida que serve apenas aos interesses do Capital. O filme nos demonstra a importância da coragem e dos laços com aqueles que enfrentam as batalhas que nós também enfrentamos. Apesar disso, tendemos a pensar demais, refletir demais e fazer muito pouco. Podemos observar isso pensando no nosso país: apesar de vermos o caminho para a solução de diversos problemas que enfrentamos, existe um abismo entre saber e fazer. Também é assim nas nossas “vidas pessoais”: tendemos a deixar aquilo que sabemos ser o correto e necessário para depois. 

Shardul e Sumi também estavam sempre tentando adiar as decisões que precisavam tomar. Quando ainda solteiros e sozinhos (pelo menos perante a sociedade), falavam para suas famílias que se casariam depois. Quando se casaram, disseram que teriam filhos depois. Estavam sempre adiando o que precisavam fazer para serem os donos de suas próprias vidas, mas tiveram a sorte de o universo conspirar para que aquela espera acabasse. Infelizmente parece algo próprio das pessoas de maneira geral esperarem o problema bater na porta para resolver o que precisa ser resolvido. Podemos observar isso no que estamos enfrentando hoje em relação ao aquecimento global e as tragédias que estão acontecendo em decorrência desse fenômeno. 

Entendemos que um dos maiores potenciais da arte é nos transformar a partir do que assistimos, quando nos permitimos ser tocados por ela. Como os amigos do filme, nós também aceitamos fazer muitas coisas por conveniência, mas qual é o momento de largarmos as nossas ilusões e encararmos a realidade como ela é no aqui e no agora? 

Como Mestre diz, o tempo é escasso, a vida é curta e por mais que queiramos  muito, não podemos esperar eternamente pelas melhores condições para fazer o que quer que seja. No texto acerca de uma frase de Gurdjieff, ele esclarece: “O ciclo do FAZER e do SERVIR não podem parar ou esperar pela paz interior sonhada, como se pudera ser pré condição do FAZER virtuoso! O guerreiro pacífico, até em sua vulnerabilidade, está sempre em movimento, no “DOING”! E sempre se qualificando mais para ousar mais e fazer mais! Porque o fazer do ensinamento reside sempre na sabedoria de não deixar de fazer!”

— Sócrates, todas as minhas ilusões se despedaçaram e parece que nada restou para ocupar o lugar delas. Você me mostrou a inutilidade da busca. Mas e o Caminho do Guerreiro Pacífico? Não é um caminho, uma busca? […]
— Depois de todo esse tempo, finalmente você fez uma pergunta interessante! A resposta está bem na sua frente. Todo o tempo eu lhe mostrei o Caminho do Guerreiro Pacífico, não o Caminho para o Guerreiro Pacífico. Enquanto trilha o caminho, você é um guerreiro. […] o caminho é agora, sempre foi.”

Filme Badhaai Do na Netflix: https://www.netflix.com/br/title/81350338?source=35

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  • Inspiração:
    Cheri Huber

    Toda vez que escolhemos a segurança, fortalecemos o medo.

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