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As redes sociais e o controle das desinformações online

Não é de hoje a preocupação das autoridades públicas brasileiras com as amplas quantidades de desinformações circulando nas plataformas digitais.O ciberespaço facilitou o desenvolvimento de mídias alternativas que diversificaram a qualidade das informações no ecossistema digital, mas também viabilizou a monopolização da comunicação política por plataformas que adotam métodos fragmentários de moderação de conteúdo, carentes…

Reprodução NiemanLab

Não é de hoje a preocupação das autoridades públicas brasileiras com as amplas quantidades de desinformações circulando nas plataformas digitais.
O ciberespaço facilitou o desenvolvimento de mídias alternativas que diversificaram a qualidade das informações no ecossistema digital, mas também viabilizou a monopolização da comunicação política por plataformas que adotam métodos fragmentários de moderação de conteúdo, carentes de previsibilidade, estabilidade, regularidade e transparência pública sobre os padrões metodológicos utilizados no controle, dificultando a árdua tarefa de luta da sociedade contra a atuação dos responsáveis pelas desinformações.

A celebração do recente acordo entre o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as plataformas1 é fundamental para a esfera pública brasileira, que sofreu muito nos últimos anos com a ampla circulação de desinformações online. No entanto, precisamos manter os olhos atentos para os resultados práticos do controle das desinformações pelas plataformas. Hoje, a pouca regulamentação das redes sociais deixa o processo de controle das desinformações restrito à decisões sumariamente tomadas pelos representantes das empresas, sem garantir, em contrapartida, um controle eficaz da disseminação dos conteúdos falsos.

O tema é complicado porque, como o funcionamento dos algoritmos que coordenam as plataformas são secretos, pouco se sabe de fato do controle das desinformações realizado na prática. As decisões tomadas não são todas publicadas. Não são revelados relatórios precisos dos resultados do controle, das punições dadas, de quais os conteúdos controlados e os motivos para o controle de cada caso. As plataformas disponibilizam os critérios para controle, isto é, as regras da comunidade, mas não prestam contas em relação as decisões de moderação tomadas no decorrer do tempo.

Em alguns casos as decisões são tomadas pelos detentores das plataformas com base em orientações dadas por órgãos internacionais, tais como a OMS2 (Organização Mundial da Saúde) para questões relacionadas a saúde pública, a ONU (Organização das Nações Unidas) para temas voltados ao aquecimento global e crises civilizatórias, e o Banco mundial para temas pertinentes à economia. O tema da pandemia de COVID-19, por exemplo, tem muitas informações em relação aos critérios adotados pela plataforma para o controle das desinformações3.
Em outros casos, as decisões de moderação são tomadas sumariamente pelos detentores das plataformas com base na opinião de “peritos”, que são consultados para dar apoio na construção de estratégias de controle dos conteúdos: “Continuaremos a consultar peritos para informar a nossa estratégia e identificaremos e removeremos o conteúdo em conformidade.”4.

Para as redes sociais, as estratégias de moderação dos conteúdos são temas fundamentais, uma vez que, dependendo dos critérios adotados, elas podem atrair mais ou menos pessoas. A quantidade de usuários e o tempo de navegação nas plataformas é determinante para o valor das empresas. Dessa forma, o bolo que sai das confeitarias online demanda controle da sociedade para que não sejam usados ingredientes venenosos em troca de maiores ganhos econômicos. As decisões em relação aos conteúdos permitidos nas páginas e a visibilidade que as informações recebem são questões extremamente sensíveis à democracia. Por isso, o papel que os peritos têm nessa discussão é crucial. Hoje, peritos bem intencionados são fundamentais para assegurar que as plataformas respeitem as regras básicas democráticas, enquanto disputam para garantir-se no mercado como ambientes atraentes para o público online.

Dentre os peritos, as plataformas recebem ajuda de portais jornalísticos de verificação de informações, que fazem um trabalho muito importante no apoio à análise dos diversos conteúdos que ganham as redes no dia a dia. No entanto, o processo de avaliação da relação entre os conteúdos encontrados nas plataformas e os identificados como desinformação fica a cargo das empresas, que se responsabilizam pelo controle das mensagens nos feeds de notícia, mecanismos de busca e recomendações. Essa tarefa é realizada por algoritmos que recebem comandos de seus programadores para limpar, de maneira generalizada, as páginas e, em alguns casos, apenas ordens para reduzir a visibilidade (IOSIFIDIS; NICOLI, 2020)5 de vídeos, fotos, memes, áudios, notícias e outros textos identificados como desinformações.

O uso de mentes humanas para o controle de desinformações nas redes sociais se mostrou uma prática bastante complicada, por ser uma tarefa extremamente prejudicial para os trabalhadores, tendo em vista que passam horas analisando conteúdos bastante agressivos, mensagens de ódio, vídeos com imagens que não são legais de se ver e causam uma série de problemas psicológicos a eles.

Considerando a ampla quantidade de mensagens enviadas diariamente e os desafios para a tomada de decisões por mentes humanas para problemas tão diversos e sensíveis à questões de liberdade de expressão, de maneira alguma podemos considerar o desafio de controlar as desinformações online uma tarefa simples. Apesar disso, o fato desse controle ser feito por meio de ordens dadas à algoritmos que pouco se sabe publicamente dos dados de fato controlados é bastante preocupante para a democracia. Ao fim e ao cabo, os detentores são quem decidem as estratégias para o controle das desinformações online e não se sabe até que ponto as mensagens são realmente derrubadas nas plataformas, se a visibilidade é reduzida, quais as punições dadas aos responsáveis e outras informações que poderiam ajudar a sociedade a avaliar se os métodos usados pelas plataformas são realmente justos.

Como explicou a Ex-Ministra da Justiça da Alemanha e Vice-Presidente do Parlamento Europeu Katarina Barley, na Europa decidiu-se que a tarefa de controlar as desinformações online deve ser exclusivamente exercida pelas plataformas, isto é, não é papel do Estado decidir sobre o controle6. Da mesma maneira funciona o processo no Brasil. No entanto, percebe-se que as iniciativas tomadas pelas plataformas até o momento não foram satisfatórias.

Acordos da mesma ordem do recentemente firmado entre o TSE e as empresas responsáveis pelas redes sociais também foram feitos nas eleições de 2020 e mesmo assim foi possível identificar a ampla circulação de desinformações online. A única certeza que se pode ter nesses casos é que pouquíssimos orquestradores de desinformações foram parar na justiça e punidos na prática. De maneira geral, os perfis são deletados ou bloqueados por um período, mas outras diversas possibilidades permanecem para criar-se perfis e seguir disseminando desinformações online.

No Brasil, uma nova lei que regulamenta o tema das desinformações está no forno, quase pronta para sair. Certamente será um avanço fundamental para garantir regras que estão em falta para assegurarmos a harmonia necessária para o debate político brasileiro. Procedimentos capazes de dar algum tipo de previsibilidade, estabilidade, regularidade e transparência aos padrões metodológicos utilizados são extremamente necessários para proporcionar um meio ambiente online de debate público saudável. Nós precisamos saber o que foi controlado, porque foi controlado, se realmente foi controlado em toda a plataforma, quando foi controlado e quais as consequências para os responsáveis. Só assim teremos um parâmetro para avaliar os diferentes critérios usados pelas plataformas e se a justiça de fato foi feita em cada caso.

Como cidadão brasileiro, não vejo a hora de ver a aprovação do projeto de lei das desinformações que pretende regulamentar as obrigações das plataformas na prestação de contas ao público. Dessa forma, poderemos ter certeza dos conteúdos controlados em cada rede social, aplicativo de mensageira e outros sites por meio dos quais as desinformações são disseminadas, e nos tornaremos uma sociedade menos dependente de decisões tomadas por “peritos”. No entanto, reconheço que é muito desafiador o processo de elaboração das medidas, tendo em vista a delicadeza dos limites entre a desinformação e a liberdade de expressão. Qualquer passo em falso pode ser um tiro no pé da democracia.

O meio ambiente online no Brasil já é regulado por leis fundamentais, como a recentemente em vigor LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), mas não temos nenhuma lei que trate especificamente o caso das desinformações. Nesse momento, espera-se que sejam estabelecidas regras a serem seguidas por todas as plataformas no processo de controle das desinformações. Certamente, casos de plataformas específicas existem e devem ser levados em conta, assim como certas decisões tomadas por cada uma delas em relação ao assunto, mas devemos cobrar por uma maior interlocução entre os sistemas de controle usados por elas, para que o processo de moderação dos conteúdos seja feito de maneira colaborativa, seguindo critérios democraticamente estabelecidos, tendo em vista tornar as regras no meio ambiente online mais previsíveis em prol de toda sociedade.

Na prática, a sustentação de um modelo no qual cada uma delas toma decisões em relação ao tema individualmente, de maneira mais conveniente para a ampliação das comunidades do que para o controle eficaz das desinformações, está apenas enriquecendo mais ainda os detentores das plataformas e enfraquecendo os sistemas políticos democráticos.
As plataformas precisam ser controladas urgentemente antes que nos tornemos uma terra onde não respiremos a liberdade da democracia.

  1. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2022/02/15/tse-formaliza-acordo-com-8-redes-sociais-para-combater-desinformacao.htm ↩︎
  2. https://about.fb.com/br/news/2021/04/covid-19-facebook-e-instagram-colocam-selo-em-conteudos-sobre-tratamentos-sem-comprovacao-cientifica/ ↩︎
  3. https://about.fb.com/br/news/2020/04/atualizacoes-sobre-nossos-esforcos-para-manter-as-pessoas-informadas-e-limitar-a-desinformacao-sobre-covid-19/ ↩︎
  4. https://about.fb.com/news/2020/08/addressing-movements-and-organizations-tied-to-violence/ ↩︎
  5. IOSIFIDIS, P.; NICOLI, N. The battle to end fake news: A qualitative content analysis of Facebook announcements on how it combats disinformation. International Communication Gazette, v. 82, n. 1, p. 60–81, fev. 2020. ↩︎
  6. https://www.youtube.com/watch?v=lEnzRo6QxOQ ↩︎

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  • Inspiração:
    Francisco de Assis

    Comece fazendo o que é necessário; então faça o que é possível; e, de repente, você estará fazendo o impossível.

Uma resposta

  1. Avatar de Marcelo Canesin

    Claudine, gostaria de fazer uma edição no texto.

    No fim do sexto parágrafo, quando escrevo: “Por isso, o papel de peritos bem intencionados é fundamental para assegurar que as plataformas respeitem as regras básicas democráticas, enquanto disputam para garantir-se no mercado como ambientes atraentes para o público online.”

    Alterar para: “Por isso, o papel que os peritos têm nessa discussão é crucial. Hoje, peritos bem intencionados são fundamentais para assegurar que as plataformas respeitem as regras básicas democráticas, enquanto disputam para garantir-se no mercado como ambientes atraentes para o público online.”

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