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Programa de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Humano, Formação de Lideranças Transformadoras e Governança Social
Eponina, Ernesto Nazareth

Notícia

Boaventura e democracia nas universidades

Dia 13 de novembro de 2019 Boaventura participou da mesa redonda: “Democracia nas Universidades”, no auditório Vera Janacopulos da Unirio.

Boaventura e democracia nas universidades

Boaventura começou o evento lamentando o golpe de Estado sofrido por Evo Morales na Bolívia, a humilhação e violência sofridas pelos povos indígenas do país e a queima da biblioteca do vice-presidente. Comentou que diante dessa onda reacionária extremamente dura e agressiva que o mundo está vivendo percebe-se mais uma vez que a educação (e principalmente as universidades) é o alvo preferido da extrema direita e que o fundamentalismo religioso junto com o neoliberalismo produz uma mistura tóxica que põe a democracia em causa. A universidade é alvo porque apesar de todos os problemas que temos reconhecido e criticado ao longo dos anos, tem sido um dos principais centros criados para a produção de conhecimento crítico, livre, independente e plural. A extrema direita e os neofascistas não podem com essa liberdade, esse pluralismo e independência. Boaventura relembrou o auditório da necessidade de estarmos atentos, pois existem dois grupos na defesa da educação e devemos saber distinguir entre eles. Um grupo defende a educação porque uma missão pública. Outro grupo defende a educação porque é um bom negócio e será ainda melhor se for alcançada a descaracterização da universidade pública tornando-a completamente sujeita as regras capitalistas, que é o objetivo projetado no “future-se”.

Boaventura reafirmou a importância de defender o valor que o conhecimento tem em si, pois o modelo universitário capitalista contra o qual precisamos defender a universidade aceita apenas o conhecimento com valor de mercado, o conhecimento que produz patentes, como conhecimento válido. Mas que a ideia de uma sociedade, a ideia do sentido da vida, da filosofia, da literatura, das sociologias, de todas as artes e das ciências sociais e humanas não podem ter preço, muito menos preço de mercado. Mas é preciso saber que mesmo dentro da universidade existem grupos que concordam com essa universidade vendida, gente que desistiu de lutar contra o pragmatismo e o utilitarismo e que apoia o projeto de universidade que serve apenas para desenvolver as profissões que o mercado exige.

Ver Boaventura falando sobre esse projeto capitalista para que as universidades sirvam ao mercado e ignorem os problemas sociais me fez sentir o desejo e a necessidade de reler o Texto A LIDERANÇA TRANSFORMADORA E SEUS DESAFIOS FACE À MISSÃO DA UNIVERSIDADE, de Rohm e Cabral. O texto fala exatamente sobre o papel das universidades na formação de lideranças transformadoras, que não servirão apenas ao mercado, mas serão cidadãos éticos, com princípios humanistas e com o objetivo de promover a transformação social que tanto necessitamos, e que me parece mais urgente ainda com esse fortalecimento da extrema direita e do neofascismo.

Mais um ponto que Boaventura destacou é o fato de as universidades deixarem de ser uma prioridade para os governos em geral, pois elas eram quando o capitalismo era nacional e os governos precisavam de um projeto de país. No entanto, no neoliberalismo um projeto de país deixa de ser desejado, as elites não devem conhecer as realidades específicas de seus países porque agora o capitalismo é global e, portanto, as elites mandam seus filhos para estudar em universidades globais. Se as elites não querem universidades nacionais, onde estão os aliados destas? As universidades se isolaram por muito tempo, e Boaventura diz que agora é hora de entender que os aliados das universidades são, também, as classes médias, mas principalmente as populações que a universidade tanto desprezou, que foram marginalizadas e consideradas ignorantes pelo conhecimento da universidade. Boaventura acredita que esta é a grande transformação necessária para o futuro da universidade, criar uma aliança com as classes populares.

Para o sucesso dessa aliança a universidade precisa ser democrática internamente e, portanto, existe a necessidade de uma mudança epistemológica. Para Boaventura a universidade precisará desaprender a ideia de que o único conhecimento rigoroso é a ciência, há outros conhecimentos que também são necessários. Os conhecimentos das mulheres, das populações indígenas, os conhecimentos populares das favelas, das comunidades latino-americanas. Há muito conhecimento popular que ficou de fora das universidades, por isso ele defende a necessidade do que chama de Epistemologias do Sul. Esse Sul não é geográfico, porque as elites no Sul geográfico são frequentemente caricaturas das elites do Norte geográfico. É, entretanto, um Sul epistêmico, do conhecimento nascido nas lutas contra o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado. Além disso, a distância entre o conhecimento acadêmico e o popular é enorme e precisa diminuir, para isso é necessário que haja convivência e comunicação entre a universidade e os movimentos populares. Boaventura chama essa convivência de ecologia dos saberes. Para ele, parte do ódio direcionado às universidades brasileiras vem do avanço que o Brasil teve na criação de ecologia de saberes, apesar de ainda haver muitos passos a serem dados nessa direção.

Outro ponto que Boaventura não deixa de falar é sobre a linha abissal, que separa humanos de sub-humanos. Essa é a articulação entre o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado, uma linha muito dura que quem entende bem é quem atravessa por ela todos os dias. Enquanto as universidades continuam dizendo que o colonialismo acabou com as independências, os movimentos de matrizes africanas e os movimentos indígenas, por exemplo, não têm dúvida alguma de que o colonialismo ainda existe. Para enfatizar mais um exemplo dessa linha abissal, Boaventura disse que se os corpos que morreram afogados no mediterrâneo fossem cidadãos europeus, seria um escândalo enorme. Mas não eram cidadãos, eram negros, africanos e não gente. São considerados “barcos de gado”.

Por fim, falou que todo esse histórico excludente das universidades e os pensamentos críticos que deixaram de ser críticos, são alguns dos motivos da dificuldade que os jovens encontram para imaginar o fim do colonialismo, do capitalismo e do patriarcado, sendo muito mais fácil imaginar o fim do mundo. Mas estas são histórias que tiveram um começo, um meio e terão um fim. Para isso faz-se necessário que o conceito de luta, corpo, território e experiência entrem nas universidades. Encerrou sua apresentação nos convidando a um radicalismo de subversividade, sem medo, sem nos deixar assustar, porque os neofacistas passam e nós vamos continuar, eles não podem nos vencer.

A cada dia que passa, quanto mais estudo, mais percebo como é importante que nós, universitários, estejamos dispostos a fazer algo pelo bem da nossa sociedade. Não é algo que as pessoas boazinhas devam fazer, é nossa obrigação como cidadãos, como pessoas que estão tendo a educação paga. Nossa sociedade sofre cada vez mais com o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado e não entendo como tem gente que pensa ser possível apenas conseguir um bom emprego e ficar de braços cruzados enquanto tem gente passando fome e morando nas ruas, por exemplo. Só isso e eu já acharia errado, mas pior ainda é quando essa mesma população que sofre, é a que paga a sua universidade. Eu sei que é tudo muito difícil e a luta cansa, mas conseguir um barquinho que no futuro pode até ser confortável, enquanto assiste gente como a gente se afogando não me parece nada suportável ou aceitável.

Acho que o que mais refleti depois da apresentação do Boaventura, é sobre o que já venho refletindo desde IPS 120 com o Mestre Rohm. E é que devemos proteger a universidade. E proteger a universidade é proteger a sociedade, portanto, deixar de pensar em nós como indivíduos e passarmos a pensar em nós como comunidade, lutando por uma universidade mais plural, subversiva, pois o sistema nos mata e explora diariamente. Que não sejamos ingratos com quem nos permite crescer e expandir a consciência, nos livrando da escuridão e do medo de não existir saída, nos incentivando a construirmos coletivamente uma saída menos desigual, mais justa. Acredito que para isso é preciso esperança, coragem, muito trabalho, posicionamento ético e não é fácil, mas é o que temos para hoje. Um passo de cada vez e muita coisa para aprender (felizmente).

Humor: coletiva/o