Observa-se na crise civilizatória contemporânea um sem-número de escolhas realizadas por adultos que desconhecem qualquer sentido de responsabilidade individual ou mesmo coletiva, que ignoram qualquer ponderação de ordem ética, ocasionando disfunções sociais, organizacionais e iniquidades econômicas. Desconsideram a própria noção de coletividade antes pautada por uma compreensão mais humanista, ou seja, cujos valores de justiça, compaixão, beleza e bondade ainda eram cultivados na formação de seres sociais e políticos, antes e depois dos 21 anos completos.
São inúmeras hoje as lideranças descompromissadas com o bem comum e com o próprio ordenamento jurídico institucional – conquistas civilizatórias alcançadas por meio de muita luta e a duras penas! – a tomarem decisões que afetam milhares e milhões de pessoas e o atual arranjo e gestão das tecnologias digitais e de comunicação, em pleno século XXI, não possibilitam um efetivo controle da sociedade sobre boa parte destes ” adultos especiais” do nosso tempo. Talvez tornar-se adulto esteja gradativamente assumindo uma conotação de corrosão do caráter e extinção da empatia, desconstruindo elementos essenciais ao estabelecimento de vínculos sociais humanistas e saudáveis.
Mas escrevo hoje, mais especialmente, acerca de um ente complexo, amplo e bastante onipresente ao completar seus 21 anos e supostamente adentrar sua própria maioridade: a Matrix. Em 1999, quase na virada do milênio, as Wachowiski lançavam a primeira obra de sua trilogia cinematográfica a qual se tornaria um marco estético e também crítico da Sétima Arte. Nenhum filme de ação e de ficção científica, entre outros gêneros posteriormente produzidos, escapou direta ou indiretamente das inovações tecnológicas, estéticas e mesmo da questão semiótica que atravessou a trilogia, iniciada pela mundividência segundo a qual todos os humanos nada mais seriam do que pilhas a abastecerem uma entidade totalitária, maquínica, digitalizada e virtualizada, intitulada Matrix. Artigos, debates, livros acadêmicos, festivais de cinema, muitos foram os fóruns e as mídias a problematizarem um mundo distópico, controlado por máquinas, por softwares e pela promessa virtualmente vivida por personagens essenciais num círculo aparentemente infinito de busca pela emancipação, pelo encontro do propósito da vida em si mesma.
A maioridade aqui neste caso enseja uma dinâmica talvez esperada mas cujas metáforas exigirão um pouco mais de cuidado: enquanto a Matrix no cinema se nutria da energia produzida por seres humanos para as máquinas, na Matrix da “pós realidade” “pós verdade” e ” da talvez pós pandemia” da vida 3.0, 5G, AI, algorítimos, machine learning, plataformas e oligopólios do capitalismo de vigilância, os seres antes humanos parecem ter se tornado, em sua maioria, geradores de dados a alimentarem esta Matrix todo o tempo – e não raras vezes buscando exibirem suas melhores imagens, papéis sociais pré fabricados, no rastro do “fast thinking”.
E como ocorre na saga da trilogia, brilhantemente concebida e realizada, na Matrix da maioridade muitos humanos ainda resistem e buscam formas e brechas de ressignificarem seus dispositivos e processos, seu modelo e ferramentas, suas organizações totalitárias e micro disciplinares. Todavia, pela educação, pelo resgate do humanismo, pelo conhecimento de ponta, inovador e destas mesmas tecnologias – mas revendo seus objetivos e impactos -,pelo resgate do papel dos Estados Nacionais e de outras Instituições que possam regular tantos entes disfuncionais, físicos ou jurídicos, virtuais ou não, ainda permanecem nossos o desafio e o prazer de escolhermos finais diferentes, preferencialmente mais felizes, para nossa História, porque esta não é nem deverá ser definitivamente um mero roteiro de cinema.