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DESENVOLVIMENTO HUMANO, FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS TRANSFORMADORAS E GOVERNANÇA SOCIAL
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Rainbow Prince: um conto de fadas que apoia a luta anticapitalista

Xion Lim presenteou a comunidade LGBTQI+ com um Pinoy* de conto de fadas em que, por meio das aventuras das personagens, nos ofereceu diversas reflexões acerca da ética e do poder transformador do amor na luta contra o capitalismo. A começar pelo maravilhoso rei da Zurbania, Zahir, uma liderança referência de educação e caráter: “o…

Rainbow Prince: um conto de fadas que apoia a luta anticapitalista

Xion Lim presenteou a comunidade LGBTQI+ com um Pinoy* de conto de fadas em que, por meio das aventuras das personagens, nos ofereceu diversas reflexões acerca da ética e do poder transformador do amor na luta contra o capitalismo. A começar pelo maravilhoso rei da Zurbania, Zahir, uma liderança referência de educação e caráter: “o que faz um rei ser grandioso é ser fiel a si mesmo. Ele usará sua verdade para liderar a nação”. Casado com a rainha Zara, liderança que incentiva a bravura, os dois são pais do príncipe Zeyn, um jovem bonito e inteligente, mas preconceituoso, indisciplinado e, ainda por cima, lerdo. Herdeiro do trono, Zeyn demora a enfrentar seu tio do mal, Zafar, que tem planos para tomar o poder e submeter todo reino da Zurbania as trevas.

Zafar, suborna empregados, destrói provas e exala homofobia quando, ao vigiar um possível relacionamento amoroso do príncipe Zeyn com seu guarda Marcus, trata a situação como uma fuga de seus deveres: “você acha que é justo a Zurbania ser governada por alguém tão imprudente e esquisito como você?”. Apesar de ser um episódio em que a homofobia do tio se manifesta claramente, Zeyn não vê problemas em ser chamado de “esquisito” ou de considerar-se a situação como algo de errado. O preconceito do príncipe gera consequências terríveis à Zurbania, e um mal-entendido entre ele e seu tio o faz ter de se exilar do reino para não ser pego por forças rebeldes.

Ao fugir para Manila, nas Filipinas, o príncipe, disfarçado com o nome “Art”, passa a ter a vida de uma pessoa normal e se apaixona por Mikey, um guia turístico, muito gentil e respeitoso. Mikey é muito reverente com sua mãe: “não esqueça de minha festa de aniversário”… “como poderia esquecer seu aniversário?”… preocupado em exercer suas funções devidamente no trabalho, sabe seus horários e é muito planejado.

Além de Mikey, do rei Zahir e da rainha Zara, diversas outras personagens dão exemplos de ética no decorrer da trama, com atitudes apreciáveis, tratamento humano e gratidão com o próximo. Angel (Sr. Miguel) e Elena (Rose) são os protetores de Zeyn, sempre muito preocupados com sua segurança, pois acreditam que o defender e cuidar é fundamental para o futuro da Zurbania. Angel é muito agradável, faz elogios aos colegas, se preocupa com a saúde e se esforça muito no trabalho. Elena vê uma senhora sendo agressiva e falando alto com um funcionário do Hotel e trata de dar-lhe uma bronca.

É notável a cena em que visitantes chineses demonstram imensa gratidão a Mikey após o passeio maravilhoso por Manila com o guia turístico. Quando Mikey se mostra muito triste por conta da separação traumática de seu ex namorado, seus amigos dão-lhe proteção e todo apoio e Mikey se mostra extremamente grato por ter com quem contar. A irmã de Mikey, Livy, conversa com o pretendente Art, para que tenha paciência no processo de conquista do irmão, pelo momento difícil que ele está passando. Também, a cena de Malik com sua mãe mostra o sofrimento das mulheres pelo tratamento horroroso que o ex-marido lhe dá: “ele só está atrás de seu próprio interesse”.

Os ensinamentos de Xion Lin não param por aí. Na cena em que um novo zelador é contratado para trabalhar no hotel, é de se destacar a apresentação dos zeladores mais experientes ao iniciante. No caso, por mais que não sejam zeladores com posições muito superiores, de gerência, se apresentam como “chefes”, demonstrando a importância de valorizar-se os que trabalham há mais tempo na zeladoria. O trabalho de zeladoria é tratado com muito prestígio, pois simboliza o servir ao próximo incondicionalmente, para que o outro seja quem quiser: “o cliente sempre tem razão”.

Uma grande diferença entre o tio do mal e o pai e rei do bem é o tratamento dado ao herdeiro do trono. Após uma noite de festas na cidade, Zeyn volta tarde para casa e deixa as responsabilidades e obrigações de lado. No caso, o tio do mal, Zafar, diz ao rei que deveria “dar-lhe o inferno”, enquanto Zahir, liderança transformadora que é, procura compreender o lado do filho, um jovem cheio de paixão e desejo de aventura, mas explicá-lo que é preciso ter muita disciplina e discernimento para tornar-se futuramente um rei exemplar. Num exercício de mudança de perspectiva, o rei delega a Zeyn a tarefa de fornecer à comunidade da Zurbania o que quer que eles necessitem por um mês: “como futuro rei, você deve experimentar e entender tudo sobre a Zurbania”. Apesar da tarefa parecer exaustiva para Zeyn, o pai e rei reforça que é um trabalho necessário: “Eu só espero que ele entenda porque fiz o que tinha que fazer”.

Em uma cena, as Divas, um grupo de drag queens, cantam uma música em que denunciam toda rejeição e opressão sofrida por quem não se encaixa no padrão cis hetero: “podemos não ser muito para olhar, mas esperamos que você se preocupe, pois quando tropeçar e cair, saberá que sempre estivemos lá”. Essa parte destaca o apoio de Xion Lim à luta anticapitalista, porque representa o olhar para a questão das LGBTQI+, oprimidas pela psique individualista e competitiva do capitalismo.

Como Mestre sempre nos orientou, é importante ressaltar o conceito de emancipação humana de Habermas e a Escola de Frankfurt, que consideram parte fundamental da luta pela emancipação humana não apenas a luta da classe trabalhadora pela tomada dos meios de produção, mas também a luta dos diversos grupos sociais historicamente oprimidos pela superação de sua condição.

Para a luta anticapitalista, é importante notar que Zeyn é preconceituoso, demora a diagnosticar o problema e agir, apesar dos riscos óbvios de Zafar almejar subir ao trono da Zurbania: o tio revelou abertamente suas intenções quando disse a Zeyn que o considerava “esquisito”. Ao saber-se considerado “esquisito” e não agir, Zeyn dá consentimento aos valores conservadores manifestados por Zafar. Esse episódio já deveria ser um motivo para Zeyn manter os olhos atentos ao tio e seus possíveis projetos de poder, no entanto, seu preconceito resulta em mãos atadas frente a uma situação na qual a homofobia do tio se manifesta claramente.

Em contrapartida, o mal entendido fez Zafar pensar que havia um conflito de interesses entre ele e Zeyn, portanto, a perseguição ao jovem príncipe pelo tio entrou em pauta. Isso porque, na cena em que Marcus dá em cima de Zeyn, por estar a distância, Zafar de fato não percebe que quem buscou a relação foi o guarda e que Zeyn pouco cogitou o caso. Dessa maneira, Zafar fica contra Zeyn, por acreditar que ele pudesse se relacionar com outros homens, mesmo que Zeyn não teve essa intenção na situação.

Foi apenas o apaixonar-se de Zeyn por Mikey que gerou o ponto do despertar em direção ao propósito de salvar a Zurbania, uma vez que ele próprio se viu apaixonado por um homem e – depois de muita lerdeza – realizou que o tio era um inimigo a ser combatido. Isso fica evidente ao observar-se que, no início da série, nem Zeyn nem seus protetores entendiam quem eram os rebeldes e porque perseguiam o príncipe.

A série é um presente de uma liderança, que, assim como Mestre, se preocupa com o sofrimento e a exclusão dos grupos oprimidos na sociedade, e que também enfatiza a relevância do fazer no processo de aprendizado de um grande líder. O apaixonar-se de Zeyn por Mikey é libertador, é a virada que faz ele mudar de comportamento em relação ao tio, revelando uma lição sobre o poder transformador do amor. Põe-se em questão, no embate das lideranças do amor contra as lideranças do ódio, as consequências severas que lideranças preconceituosas, indisciplinadas e lerdas como o príncipe Zeyn podem produzir.

A conscientização do que estava em jogo na Zurbania por Zeyn é muito demorada, só se dá quando ele recebe uma crítica pública de Zafar e só depois que o projeto de poder do tio causava muitos danos caros ao reino da Zurbania.
Em compensação, por serem lideranças éticas, os pais, amigos e protetores dão lições, acreditam e apoiam Zeyn. A ajuda deles é fundamental no processo de transformação do príncipe, para que ele acorde em rumo ao propósito de salvar a Zurbania. Com isso, ressalta-se a importância da integridade das personagens do bem no que são, dizem e fazem. As tantas cenas exemplares, das diversas personagens, realçam valores como o companheirismo, o acolhimento, a gratidão, o cuidado com o outro e a colaboração que tanto faltam no mundo de hoje: “A empatia leva a conexão e nós como humanos não podemos viver sem conexão, ela nos permite sentir amor, alegria e compaixão. Ela nos permite ver a nós mesmos em cada ser humano que encontramos. Desumanização, ódio e vergonha não podem conviver lado a lado com a conexão”.

Com muita leveza, Xion Lim inclui o cachorrinho Chuck-Chuk, tratado como um rei, simbolizando a harmonia com os animais. Além de várias apresentações musicais, em momentos chaves de cada personagem, e até um cantor famoso, Niko Badayos, que canta “In love with you” para esquentar o clima romântico entre os bonitos. Vale notar as diversas cenas de Manila, o cuidado de apresentar as comidas deliciosas, pontos turísticos que contam a história e a natureza exuberante do arquipélago. Também, a atuação brilhante dos atores, que trouxeram uma mistura de muita graça a estória, cheia de cenas doces e hilárias, e muitas dores e sofrimento, dignas dos desafios da luta contra o ódio, não apenas nos contos de fadas: “devemos estar todos juntos, nos manter forte e não vacilar!”

PS: no início, Xion Lin faz um chamado ao “Team Brasil”… acho que deveríamos fazer uma visita ao reino da Zurbania!!

*Como Mestre explicou no seminário de cinema e culturas asiáticas, Pinoy é o nome dado à estética filipina no cinema Boy Love. As cenas românticas são mais intensas em comparação a média de outras culturas asiáticas e é comum ver a mistura de comédia com dramas intensos, as vezes hiperbólicos.

Texto escrito por colaboração de Marcelo Canesin

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