Na edição anterior, que você pode ler clicando aqui http://pep-rohm.facc.ufrj.br/apresentacao-da-coluna-frases-rohmanicas-e-nos/, comentei sobre ter conhecido Mestre e ele ter apresentado para as alunas e alunos o conceito de liderança transformadora, porque foi um momento marcante. Antes de falar da liderança, entretanto, Mestre falou sobre controle. Desde criança aprendemos a não perguntar muito sobre o porquê das coisas. Na minha casa era um inconveniente querer saber e entender o porquê de as coisas serem como são. Em IPS aprendi que não entender por que se faz o que se faz é uma das maneiras de ter uma vida completamente controlada, mas com a ilusão de ser livre.
Crescemos vivendo praticamente no automático, seguindo um caminho que as instituições moldam para que sigamos. Dependendo do nosso gênero, só podemos usar determinadas roupas, precisamos nos comportar de maneira específica, somos colocados em um caminho preestabelecido desde o dia em que descobrem o sexo do bebê. Com o passar do tempo é só ir atendendo às expectativas da família, da escola, dos amigos, da igreja e pronto, seremos classificados como boas pessoas, ou não. É claro que para isso acontecer logo na infância muitas repressões precisam ser feitas e essas repressões criam em nós bloqueios para não agir de determinadas maneiras. Nos colocam “na linha”: do “progresso”, do utilitarismo, do individualismo etc.
Depois nos isolamos em nossas bolhas nas redes sociais, não conhecemos uns aos outros e muito menos a nós mesmos, não valorizamos a presença do outro, cultivamos o medo, a insegurança, temos horror à vulnerabilidade. Aprendemos a seguir padrões de comportamento aceitáveis, editamos tudo: as fotos, as conversas, os contextos em que as coisas acontecem para ficar mais bonito para a rede social… Na escola, com a massificação da educação não aprendemos a pensar, apenas a reproduzir. Não aprendemos a enxergar a beleza da diversidade, pelo contrário, o diferente sofre violências de todos os tipos.
Se você é uma mulher, espera-se que você se case com um homem, que vocês tenham filhos, e trabalhem até morrer, uma “vida boa”, comum, “normal”. Se você é um homem, tem que ser frio, calculista, trabalhar para sustentar a esposa e os filhos. Assim por diante.
Não existe espaço para singularidades, para sonhos ou para liberdade. A diversidade é aniquilada! Será que as pessoas que seguem essa vida baseada na heteronormatividade, no plano de carreira, uma vida vazia de sentido, controlam o próprio corpo? Será que elas sabem quem são e ao que servem? Questionamentos que Mestre levantou, que nos levou à várias reflexões e nos trouxeram até aqui.
E continuando as reflexões de Frases Rohmânicas e nós, hoje apresentamos a 2° edição. A frase desta vez é uma frase muito importante, do nosso querido prof. Dr. Mestre Ricardo Rohm, a saber, “Se você não está no controle de seu corpo, alguém ou alguma coisa está”, e a pessoa que debaterá sobre esta frase conosco é Vivian Santos, integrante de PEP-ROHM.
A falta dos questionamentos
Eu sou de uma cidade pobre, nasci e ainda moro em Duque de Caxias, local que abrigou durante anos um dos maiores aterros sanitários da América Latina. A miséria e a pobreza são coisas que não se podem ignorar ou fugir por aqui, por isso fui ensinada pela minha família e professores desde a infância que o meu maior objetivo deveria ser sair dessa realidade de privações. Estudei em escolas públicas (CIEP’s) e graças ao esforço dos meus professores e dos meus pais fui aprovada para três Universidades Federais diferentes. Optei pela UFRJ, sabendo que a FACC é uma das melhores escolas de Administração do país. Meu único objetivo durante toda a jornada de estudos, do ensino fundamental ao vestibular, era ingressar para UFRJ e conseguir uma ótima posição no mercado de trabalho, que permitisse uma vida sem dificuldades financeiras.
Já como aluna da UFRJ as coisas não saíram de acordo com os meus planos, eu não me saia bem nas matérias, minhas notas eram péssimas e eu sempre me sentia quilômetros atrás dos meus colegas – até conhecer Mestre e aprender que devo deixar de lado as comparações, trocá-las pela busca da superação diária de si, pois é fato que todos começamos de pontos de partida diferentes.
Mas eu imaginava a UFRJ como uma competição e para mim era óbvio que eu estava perdendo. Minha frustração crescia cada vez que eu lia a respeito das conquistas científicas alcançadas por colegas de outros cursos, eles eram os campeões e eu uma perdedora. Para completar, minha situação financeira se agravou, minha família sequer tinha dinheiro para comprar pão, estávamos dependendo de doações, imagina pagar o valor da passagem para eu ir às aulas? Estas situações da vida cotidiana de muitos brasileiros que deveriam fazer todos refletirem acerca das políticas públicas, das decisões dos governos – ou desgovernos -, dos impactos que as organizações causam e das transformações que nossa sociedade, sendo realmente democrática, precisa para que todos possamos viver bem.
Tudo ia muito mal e eu já havia decidido abandonar a faculdade depois de um ano, abandonar todos os meus objetivos e expectativas de melhoria de vida. Não só pela falta de dinheiro, eu não tinha motivos para ir às aulas, o que eu estava buscando? Ao que estava servindo? Até que em 2017, antes de abandonar a faculdade, comecei as aulas de IPS120.
O acontecimento
Conhecer um ser humano tão iluminado como Mestre Rohm é mesmo um grande privilégio. Já nas primeiras aulas ele explicou o conceito de projeto de vida e plano de carreira. Sendo sincera, eu não entendi de primeira a diferença entre os dois, pois estava tão condicionada a enxergar a carreira profissional como a única coisa que faria minha vida valer a pena, que separar ela da busca por sentido na vida, para mim não fazia sentido.
Ainda sem entender, sabia em algum nível que queria aprender mais sobre os ensinamentos de professor Rohm. Eu comecei a pedir dinheiro emprestado para poder frequentar as aulas dele e se antes eu pensava em desistir, comecei a postergar minha decisão. Não queria perder as aulas, sabia que o que ele falava não era só informação, como nas outras matérias, era conhecimento, havia sabedoria! Eu comecei a perceber que tinha um plano de carreira e só, nunca tinha pensado nada além.
Até que um dia Mestre, como sempre brilhante, citou sua frase “Se você não está no controle de seu corpo, alguém ou alguma coisa está”. Ele explicou que quando nós não nos conhecemos e quando não temos disciplina, alguém ou alguma coisa nos controla.
Procurei mudar minha prioridade, a voltar meus esforços para me conhecer e construir um projeto de vida que envolvesse bem-estar e alegria, porém não tinha pensado profundamente sobre as razões que me fizeram optar anteriormente pela gestão da minha carreira como a coisa mais importante. Eu não estava no controle de mim, buscava seguir a lógica de mercado, produzir e consumir, sem tempo para procurar prazer, talvez até mesmo sem entender o que era prazer, já que pensava estar associado estritamente a conseguir estabilidade financeira, coisa que como Mestre já nos fez refletir, não existe para a maioria das pessoas se pensarmos bem.
Mas desde que conheci Mestre Rohm estou buscando ser alguém capaz de fazer o bem, – o que aqui entendo ser praticar atitudes boas, belas e justas – de cuidar e me dedicar às pessoas e à sociedade como uma forma de ser grata por todo o bem que me fizeram, e não contribuir com um viver que ignora as injustiças, ou pior, as intensifique. Meu grande sonho é ajudar a mudar a realidade da minha cidade, retornando para a sociedade o investimento que foi feito em mim desde a infância, por meio das escolas públicas, e agora da Universidade pública.
Ao compreender esse ensinamento de Mestre, senti como se estivesse livre de algo, pois se antes eu agia seguindo os interesses do mercado sem nem ao menos saber, mas daquele momento em diante eu poderia iniciar a jornada pelo controle do meu corpo e da minha vida, e ser alguém relevante, o que já não considerava mais ser algo no sentido de sucesso e poder. Estou na jornada em busca de entender o porquê das minhas ações.
Sempre que penso em palavras como amor, gratidão e alegria, a imagem do grande Mestre Ricardo Rohm vem a minha cabeça, com seu sorriso e bom humor. Ele é um exemplo de integridade e serei eternamente grata por todo o tempo que ele dedicou a todos os seus alunos, sendo eu uma delas. Desde que deixei de buscar o sucesso financeiro pude me dedicar a viver com intensidade, tenho amigos e não mais concorrentes, vejo as coisas de uma forma mais leve.
Penso que estar no controle de nossos próprios corpos não é uma tarefa fácil, necessita coragem e disciplina, pois ir na contramão do que nos induz a lógica capitalista pode causar alguma angústia, mas é necessário para que possamos ter atitudes éticas, quando decidimos trabalhar em prol de um propósito nobre. Agradeço os caminhos e as escolhas que me levaram a conhecer alguém tão especial, que me mostrou a direção para a liberdade e para a alegria. Se um dia eu puder ser para alguém aquilo que o Mestre Rohm é para mim, sei que segui corretamente seus ensinamentos e terei tido uma vida maravilhosa.
E agora?
Com o relato de Vivian vimos um exemplo de como é perceber que não está no controle do próprio corpo. Todos nós em algum momento no decorrer de aprender com Mestre percebemos que também não estamos, não sabemos nem o que realmente queremos… Nesse momento percebemos também que tudo que tínhamos era um plano de carreira. Por que será, afinal, que recebemos na infância essa receita de “vida perfeita”, com foco em carreira, casamento, filhos e dinheiro? Quando descobrimos que não estamos no controle do nosso corpo, o que devemos fazer para estar? Mas espera, queremos estar no controle e nos responsabilizar pela nossa vida? Ou vamos culpar a tudo e todos – sem nenhuma auto responsabilidade – até a morte?
Como dito por Cortella em “por que fazemos o que fazemos?”, uma vida que nega a vibração da própria existência, é uma vida pequena, banal, venal. O que levamos adiante? Quando vivemos no automático, como robôs, então não pertencemos a nós mesmos, somos escravos da vontade alheia. Se como humanos somos seres que têm de construir a própria realidade para viver, não saber o que buscamos e ao que servimos é ser apenas uma ferramenta para que as coisas aconteçam. Sem ação, só reações? Qual o papel do projeto de vida e de um próposito bom, belo e justo?
Nas próximas edições continuaremos refletindo acerca destas e outras mais perguntas, mas queria dizer que uma das primeiras lições de Mestre foi sobre a importância da disciplina na busca pela liberdade. Será mesmo possível fazer diferente da norma? Resistir?… Tantas perguntas surgem no decorrer dessas reflexões, que maravilhoso. Quero que surjam ainda mais e continuar aprendendo com Mestre e com as/os pepianas(os).
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