Em Frases Rohmânicas e nós V, refletimos sobre uma frase de Buddha, que disse que “A felicidade nunca diminui ao ser compartilhada”. Fiquei pensando na importância do “compartilhar” e em como as redes sociais têm se utilizado de algo tão poderoso para atender aos seus interesses de controle. Lembrei que Castells discute sobre a comunicação e as redes sociais em seu artigo sobre comunicação, poder e contrapoder na sociedade em rede. Nesse artigo ele explica que a comunicação na esfera pública apoia a produção social de significado, fazendo com que batalhas pela mente das pessoas aconteçam nos processos de comunicação, que é uma fonte de mudança social.
Os meios digitais de comunicação, principalmente as redes sociais, incentivam as pessoas a compartilharem tudo sobre suas vidas, mas essa comunicação não permite a ampliação da visão de mundo pelo contato com o outro, muito menos o debate entre ideias e pensamentos diferentes ou a celebração da diversidade. Muito pelo contrário, o que vemos é a criação de câmaras de eco, que são produzidas ao incentivar que as pessoas isolem-se em bolhas e rejeitem aquilo que é diferente. O “outro” é separado, isolado, nos levando ao que Han chama de “inferno do igual”.
Han explica como o inferno do igual leva as pessoas a se conformarem, aceitando viver “como todo mundo vive”, internalizando um script que não as serve, como já refletimos aqui no blog. Aquela que pode ser a fonte de mudança social, portanto, tem sido utilizada como mecanismo de estagnação do desenvolvimento humano, de isolamento e de controle. Apesar de tudo isso, o avanço das tecnologias digitais de informação e comunicação têm sido enxergado por muitos como meios para o progresso humano. Tudo depende de como essas tecnologias são empregadas na nossa sociedade e, no momento, estão sendo utilizadas para produzir conformismo, o que é um grande problema, pois como dito por George Bernard Shaw, “O progresso é impossível sem mudanças…”.
Quando li essa frase essa semana, me lembrei de uns e-mails que troquei com o Marcelo, diretor de TI do PEP, e com Sofia. Marcelo nos apresentou à história de Julia “Butterfly” Hill, uma ativista e ambientalista que passou 2 anos em cima de uma sequoia, para impedir que derrubassem a árvore, e o desmatamento da área ao redor.
Um grupo de ativistas ambientais estava precisando de alguém que aceitasse se sentar em cima de uma árvore milenar como forma de protesto contra o desmatamento. Julia se ofereceu, acreditando que teria que passar apenas cerca de duas semanas em cima da árvore. Luna, nome com o qual Julia batizou a sequoia, possui 55 metros de altura e a plataforma de madeira que usaram para Julia morar tinha cerca de 2,5 metros por 1,5. Tinha uma lona plástica para “protegê-la” da chuva e um saco de dormir. Ela recebia comida por uma corda e tinha um celular que funcionava à base de energia solar. Julia contou que era muito úmido e frio, também teve que enfrentar neve e tempestades, sofreu queimaduras e, um dia, quase foi lançada pelo vento, pensou que morreria e teve muito medo.
Além dos desafios que a natureza apresentou, também teve que enfrentar a madeireira, que fez de tudo para que ela descesse da árvore e eles pudessem desmatar a área. O protesto se estendeu por 2 anos e deu certo, conseguiram fazer um acordo com a madeireira para que a floresta não fosse desmatada.
Em algumas entrevistas Julia contou como sofreu, como foi quebrada fisica, mental, emocional e espiritualmente. Achava que era uma pessoa desapegada, porque deixou sua casa, família e pertences, e estava morando em uma barraca em cima de uma árvore há alguns meses. Mas só se deu conta de que ainda tinha apegos quando veio a tempestade que quase a jogou para fora da árvore. Foi quando ela percebeu seu apego à vida. Durante a tempestade ela não podia pedir ajuda pra ninguém, em algum momento simplesmente aceitou o que viesse e se deixou passar e expressar o que quer que fosse, vontade de rir, chorar, gritar. Até que perdeu o medo da morte.
Julia disse que no início, assim que subiu na árvore pra enfrentar a madeireira, ela resistiu ao processo de desenvolvimento pelo qual ela estava passando (solidão, frio, entre outras diversas dificuldades que morar em uma árvore de 55 metros de altura por 2 anos para protestar pela causa ambiental proporciona), porque sentia muita raiva. Mas percebeu que precisaria inspirar toda a negatividade, todo o ódio, raiva, medo e destruição que era direcionado à ela e à causa ambiental e que ela também sentia por todas as injustiças, e depois expirar amor. Entendo que por amor, ela estava se referindo à luta e resistência dela mesma e da equipe que a estava dando suporte, em prol do propósito. Na conversa com Marcelo e Sofia cheguei a comentar como precisávamos fazer o mesmo com todas as injustiças que sabemos existir, porque não podemos ignorar isso, temos que ler as notícias por piores que sejam, e expirar “amor”. Transformar a raiva em combustível para fazer e compartilhar coisas que podem nos transformar e transformar a nossa sociedade, já que a comunicação é uma fonte de mudança social.
Mas frase de Shaw me lembrou da história da Julia, principalmente, porque Julia teve que experimentar na própria pele a experiência da mudança de mente, o desapego de si, em prol de um verdadeiro progresso, uma transformação que beneficiou a toda sociedade. Julia agiu como uma liderança transformadora que faz o que é preciso, e isso exige uma mudança que começa em cada um de nós. Uma mudança que nos tira dessa mentalidade individualista e intolerante, e nos direciona ao outro.
“Os fortes e rígidos se quebram com os ventos”, por isso não podemos resistir ao processo de desenvolvimento que precisamos enfrentar, para que nos tornemos pessoas capazes de desapegar dos nossos desejos pessoais e passemos a agir com a integridade que o propósito exige. Sabendo que o propósito envolve o outro, é sobre servir. Por isso o outro aqui não é rejeitado, a diferença é bem-vinda. Talvez dessa maneira possamos acabar com o inferno do igual (começando consigo mesmo), ao invés de nos apegarmos a uma versão completamente mecânica e pobre de vida de nós mesmos.
Achei curioso que ela quase morreu em cima daquela árvore, para além das queimaduras, e machucados, mas que depois disso ela disse que sentia que ninguém podia controlá-la mais, porque ela não conseguia mais sentir medo de nada. Não desistiu do protesto e só desceu da árvore quando conseguiram o que queriam. Agora ela entendia o que era viver e prosperar, coisa que ela disse ter descoberto que não sabia antes de passar os 2 anos em cima de Luna, embora antes tivesse tudo que pensava ser necessário para se considerar uma pessoa próspera. Não era. Agora ela tinha o controle sobre o próprio corpo, sobre a própria mente.
Julia ‘Butterfly’ Hill, a ambientalista que viveu 2 anos em cima de árvore milenar para evitar sua derrubada
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53800200