PROGRAMA DE ESTUDOS E PESQUISAS EM
DESENVOLVIMENTO HUMANO, FORMAÇÃO DE LIDERANÇAS TRANSFORMADORAS E GOVERNANÇA SOCIAL
Minerva UFRJ 2021

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Reflexões sobre o trabalho precarizado e a necessidade de Lideranças Transformadoras

Texto escrito por Gabriel e Gabriela. No PEP-Rohm, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Rohm, nós somos estimulados(as) a desenvolver pesquisas que dialoguem e pensem a nossa realidade, pesquisas que sejam atuais, criativas e tragam algo de novo para contribuir com a ciência de forma crítica e compromissada. O PEP possui três linhas de…

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Texto escrito por Gabriel e Gabriela.

No PEP-Rohm, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo Rohm, nós somos estimulados(as) a desenvolver pesquisas que dialoguem e pensem a nossa realidade, pesquisas que sejam atuais, criativas e tragam algo de novo para contribuir com a ciência de forma crítica e compromissada. O PEP possui três linhas de pesquisa principais, a saber, “desenvolvimento humano”, “formação de lideranças transformadoras” e “governança social”. O PEP também realiza estudos em Humanidades Digitais, área em que o Professor Dr. Rohm se dedicou em seus estudos no pós doutoramento e cujo tema norteia algumas pesquisas em andamento. Em nosso programa, valores humanistas, de solidariedade e coletividade, são centrais e ensinados por Mestre Rohm por diversos meios, sendo o PEP uma comunidade de aprendizado e prática desses valores.

   O que há de comum entre desenvolvimento humano, liderança transformadora e governança social? Pensar e elaborar cada uma dessas linhas de pesquisa pressupõe pensar formas de trabalho, em níveis organizacionais distintos, mas que se inter-relacionam em uma dinâmica que se faz presente em toda e qualquer organização. O trabalho é tema de pesquisa atualmente desenvolvida no âmbito do PEP, e é com o objetivo de estimular a reflexão acerca do trabalho, e a leitura das contribuições recentemente publicadas por Rohm e Gonçalves (2021), que nós (Gabriel e Gabriela) compartilhamos os nossos estudos acerca da temática neste texto.

   Segundo Antunes (2011), existe uma tendência a um processo de precarização estrutural do trabalho, que se manifesta, por exemplo, por meio da crescente erosão do trabalho contratado e regulamentado e do crescimento das diversas modalidades de trabalho informal na contemporaneidade. A informalização, que pressupõe rupturas com laços contratuais, e a precarização do trabalho andam de mãos dadas, servindo como mecanismos para o aumento da exploração dos trabalhadores, que a cada dia perdem direitos trabalhistas pela pressão capitalista de desmonte da legislação protetora do trabalho. Esses traços de exploração e perda de direitos se camuflam em um discurso empresarial que individualiza os trabalhadores e os coloca como colaboradores.

   Com a economia sob o controle do capital financeiro global, os lucros são colocados como prioridade e todos os custos possíveis são colocados sobre os trabalhadores; a terceirização é um fenômeno central nesse processo de acumulação do capital, pois expande a produção de mais-valia, servindo como motriz da precarização do trabalho. A estratégia da hegemonia do capitalismo financeiro de acumulação flexível e a sua lógica do curto prazo, por meio do descarte e obsolescência programada das mercadorias, é também aplicada aos trabalhadores, que são classificados e tratados como objetos de rápida obsolescência e descarte (ANTUNES; DRUCK, 2015).

   Diversas pesquisas apontam para a relação da terceirização com índices de adoecimentos e acidentes cada vez maiores em função das transformações no campo do trabalho (ANTUNES; DRUCK, 2015; ANTUNES; PRAUN, 2015). Antunes e Praun (2015) ressaltam que, para efetivar e auxiliar as novas exigências produtivas, as estratégias de gestão contemporâneas se valem de alguns instrumentos, a saber: a gestão por metas, o assédio moral e a terceirização. Essa estratégia de gestão reflete-se nos consequentes altos índices de suicídio, de adoecimentos, de acidentes e mortes no trabalho; no aumento de trabalhadores terceirizados em relação a trabalhadores efetivos; reflete-se também nos menores salários e maiores jornadas de trabalho para os terceirizados, na ausência de suporte e proteção trabalhista e desmantelamento das relações de trabalho entre as empresas e os trabalhadores, entre tantas outras consequências devastadoras para a classe trabalhadora contemporânea (ANTUNES; PRAUN, 2015).

   O desenvolvimento das tecnologias digitais também é um fator que afeta o campo do trabalho. Para Fontes (2017), a tecnologia funciona tanto como uma promessa do fim do trabalho pela possibilidade de automatizar os processos produtivos, quanto como uma ameaça de crescimento do desemprego. As plataformas digitais, que tendem a ser apresentadas como simples tecnologia com a capacidade de reunir consumidores e ofertantes de produtos e serviços, são iniciativas que servem à produção de valor e mais-valia, operando sob a estratégia da acumulação global do capital. Neste caso, a tecnologia, por exemplo, não serve para acabar com o trabalho, mas tem sido utilizada para minar os vínculos empregatícios.

   No novo modelo de negócio de extrema descentralização do processo de trabalho chamado de ‘uberização do trabalho’, as empresas deixam de ser responsáveis pelos meios de produção, pela garantia dos direitos trabalhistas, pois não possuem mais empregados, mas continuam controlando o trabalho e se apropriando da produção da mais-valia (FONTES, 2017; FRANCO; FERRAZ, 2019). Além disso, a riqueza gerada pela crescente massa de trabalhadores de plataformas, bem como o controle desta modalidade de trabalho, é submetida a uma centralização internacional. O controle internacional do trabalho pode ser exemplificado pelo pequeno número de empresas que se alastraram pelo mundo e dominam o mercado de trabalho uberizado. Para além de uma dinâmica capitalista, portanto, existe também uma dinâmica imperialista (FONTES, 2017).

   Para Abilio (2019) e para Franco e Ferraz (2019), a uberização pode ser entendida como a expressão máxima da precarização e informalização do trabalho, pois a empresa reduz ao máximo os custos de produção de valor, não precisa se responsabilizar pelos trabalhadores e só usa o trabalhador quando precisa. Com a produção em massa de desempregados e o aumento exponencial da precarização do trabalho, o que inclui a redução dos salários, existe um grande número de trabalhadores disponíveis para trabalhar quando houver demanda.

   Para obscurecer os processos de informalização do trabalho, vende-se o discurso de que o trabalhador uberizado é um empreendedor e não mais um trabalhador que é explorado por uma empresa. O trabalhador é ludibriado, sendo incentivado a acreditar que trabalha para si e a agir com competitividade, buscando máxima produtividade e aceitando correr riscos que podem prejudicá-lo ainda mais. O que acontece é que ele continua gerando riqueza para as empresas, mas começa a enxergar-se sob uma perspectiva de autônomo e não mais como parte de uma classe trabalhadora (ABILIO, 2019; FRANCO; FERRAZ, 2019). Esses são alguns dos fatores que dificultam a organização coletiva para que os trabalhadores possam lutar pela retomada da garantia sobre os seus direitos trabalhistas.

   Rohm e Gonçalves (2021) publicaram estudo em evento sobre a questão do trabalho e as suas novas configurações denominado: “As mutações do mercado de trabalho sob a égide do capitalismo e os impactos sociais para o trabalhador”. Nesta publicação, ao discutirem sobre a situação degradante em que se encontram as relações trabalhistas na atualidade, bem como os impactos dessas mudanças para os trabalhadores, Rohm e Gonçalves (2021, p. 8) concluem que “[…] uma perspectiva de melhoria poderia advir de um Estado que regulasse as condições de trabalho e do mercado, ou, por outro lado, com a mobilização dos trabalhadores com o redespertar dos sentimentos de classe e coletividade”.

   A propagação da mentira de que o trabalhador uberizado é empreendedor e chefe de si mesmo é uma das facetas do individualismo, que se manifesta de diversas outras maneiras nas ações das pessoas que aprendem a pensar apenas em si mesmas e têm seu caráter corrompido, atuando sem nenhum senso de responsabilidade individual ou coletiva, como Mestre Rohm nos escreveu em seu texto “MATRIX e a maioridade”, publicado aqui no site.

   É extensa a lista de impactos negativos advindos do processo de acumulação intensificado e acelerado de capital do século XXI para as condições de trabalho e vida da classe trabalhadora (ANTUNES; DRUCK, 2015; ANTUNES; PRAUN, 2015; FONTES, 2017; ABILIO, 2019; FRANCO; FERRAZ, 2019). Nesse pano de fundo ditado pela generalização da terceirização, composto por relações de trabalho informais e (cada vez mais) precárias, torna-se ainda mais desafiador e limitado – e ainda mais importante – o papel das pessoas em postos de tomada de decisão nessas empresas.

   Percebemos, portanto, a importância de pensarmos o papel das lideranças – e principalmente das lideranças formadas em universidades públicas que têm sua educação paga pelo povo – dentro desse cenário de precarização do trabalho e do domínio da ideologia individualista na sociedade. Levando em consideração a crise ética que vivenciamos, necessitamos de lideranças que atuem sobre a consciência dos indivíduos para o resgate de princípios humanistas e solidários, lideranças que atuem nas organizações para tomada de decisões que sejam guiadas por princípios éticos e virtuosos, que priorizem o bem comum para muito além da reprodução desenfreada de capital, como é cotidiano e difundido durante toda a formação educacional e moral dos indivíduos por diversos e difusos mecanismos.

   Enquanto as pessoas forem domesticadas para buscarem incansavelmente a acumulação de riqueza financeira, colocando todo o foco delas na criação e execução de um plano de carreira, a dignidade humana de toda a sociedade estará posta em cheque e a parcela mais pobre e vulnerável dessas pessoas, como os trabalhadores terceirizados e uberizados, será a mais prejudicada, enquanto iludida para crer que é a culpada pela miséria que lhe é intencional e estrategicamente endereçada. As lideranças possuem, portanto, a oportunidade (pela educação) e a responsabilidade de agirem diante da crise que vivemos com o objetivo de que a vida humana volte, ou passe a ter o seu devido respeito.

Referências

ABILIO, L. C. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Psicoperspectivas, v. 18, n. 3, p. 1–11, 2019.

ANTUNES, R. Rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? Serviço Social & Sociedade, n. 107, p. 405–419, 2011.

ANTUNES, R.; DRUCK, G. A terceirização sem limites: a precarização do trabalho como regra. O Social em Questão, n. 34, p. 19–40, 2015.

ANTUNES, R.; PRAUN, L. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serviço Social & Sociedade, n. 123, p. 407–427, 2015.

FONTES, V. Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. Marx e o Marxismo, v. 5, n. 8, p. 45–67, 2017.

FRANCO, D. S.; FERRAZ, D. L. D. S. Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. spe, p. 844–856, 2019.

HAN, B. C. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução de. Maurício Liesen. Belo Horizonte: Âyiné, 2018.

ROHM, R. H. D.; GONÇALVES, C. C. N. E. As mutações do mercado de trabalho sob a égide do capitalismo e os impactos para o trabalhador. In: VIII Simpósio Internacional Trabalho, Relações de Trabalho, Educação e Identidade, 2021.

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  • Inspiração:
    Mark Twain

    Tenha conhecimento sobre os fatos primeiro, e depois você pode distorcê-los como desejar.

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  1. Avatar de Claudia Gonçalves

    Excelente a proposição de reflexão sobre o mundo do trabalho apresentada por vocês neste post! Mais do que isso, o texto sinaliza para a contribuição das lideranças transformadoras frente ao cenário da precarização da força de trabalho em tempos de reforma trabalhista e busca cada vez maior de mais valia, em detrimento da redução do valor atribuído ao trabalho. Atual e necessário!

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