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Villém Flusser: Pós-Modernismo, Linguagem e Realidade

Villém Flusser foi um filósofo pós-modernista, tcheco-brasileiro, que escreveu sobre a importância da linguagem para a realidade

Villém Flusser: Pós-Modernismo, Linguagem e Realidade

Villém Flusser foi um filósofo pós-modernista que nasceu na República Tcheca e viveu muitos anos no Brasil, até voltar para a Europa e se tornar famoso por lá. Foi amigo de artistas de vanguarda como a Mira Schendel, e os poetas concretistas Haroldo e Augusto de Campos.

Tive a oportunidade de fazer um curso, na sala onde ficam alguns dos textos originais e os livros que Flusser guardava em sua biblioteca pessoal. No caso, foi estudado uma das obras pioneiras do autor, escrita no Brasil, chamada “Linguagem e Realidade” (1963). Gostaria de compartilhar algumas das ideias legais que aprendi por lá:

O pós-modernismo, é uma linha filosófica surgida após a segunda guerra mundial, que inspirou muitos intelectuais a escreverem sobre a importância da multiplicidade e da pluralidade, diferentemente da logica racional-iluminista dos filósofos do modernismo. São autores que consideram as mais diversas perspectivas possíveis para analisar-se a contemporaneidade: eles não estavam preocupados em entender a verdade universal das coisas, ou a essência da realidade, nem construir uma compreensão ontológica, subjetiva do sujeito, preso a alguma busca do que deveria ser um tal sujeito iluminado, cuja tradição do pensamento modernista pretenderia.

Portanto, para além de alguma teoria cartesiana, sistemática, metafísica, “penso logo existo”, a concepção dos pós-modernistas prefere dar ouvidos as mais diversas formas de existir.

No caso de Villém Flusser, o foco é a linguagem (e mais tarde a comunicação de um modo geral). Na obra “Línguagem e Realidade”, o filósofo escreveu sobre a importância da linguagem para a construção da realidade. Ele era fluente em alemão, inglês, português e tcheco, quando escreveu o livro. Este vasto repertório, nos tão diferentes idiomas, inspirou Flusser a refletir sobre as possibilidades que os universos (como ele definia as línguas) produzem no mundo dos indivíduos falantes, ou seja, como o próprio fato de nos comunicarmos em diferentes linguagens produz diferentes realidades.

Vocês já pararam para pensar sobre a influência, para a nossa realidade, que o uso da palavra “poder” produz? No vocabulário, no dia a dia dos falantes da língua portuguesa?

Aos falantes de inglês: dizer “eu posso” em português não tem o mesmo significado que dizer “I can”, “I may”, I will” como fariam os de lá. Dizer “eu posso”, significa dizer, literalmente, que “eu tenho o poder” de ir. “Posso ir ai?” não faria sentido se traduzíssemos para o inglês com palavras similares “Do I have the power to go there?”. Eles não usam essa sentença. Expressões que seriam mais comuns “may I go there?”, “can I go there?” … além de carregarem mais palavras, tem significados diferentes, que produzem realidades diferentes aos intelectos falantes: no português usa-se mais comumente a ideia de posse, portanto, você “possui o poder de ir”, diferentemente de outras línguas.

A busca do filósofo, nesta obra, foi comparar mais especificamente as 4 línguas, e analisar casos dentro dos códigos tradicionalmente usados no vocabulário do ale, do tche, pte e inglê, para trazer luz às individualidades dos universos que constituem as realidades dos intelectos que se comunicam nestas línguas. Sem se prender aos significados lógicos, racionais, determinantes da verdade, que as traduções diretas fazem: elas empobrecem os sentidos múltiplos que as diversas línguas existentes podem produzir, ao expressar uma sentença.

Segundo Flusser, um papel muito importante da filosofia, e do pensamento, está na tradução (ele põe a linguagem acima da própria filosofia, e da religião), e na conversação: a “conversão” aberta aos múltiplos significados possíveis, nas mais diferentes culturas que existem no mundo,

Inspirado em Wittgenstein, Flusser valoriza o empurrão que a linguagem pode produzir nos limites do universo que constitui nossas realidades, definindo o papel da tradução como “pontes”: “os códigos culturais são ilhas de significados, que flutuam no oceano do “nada insignificante”: precisamos de pontes (as traduções) para adentrarmos os outros universos”.

É complicado, por exemplo, traduzir a palavra “werden” do pensamento filosófico alemão, pois ela tem muitos outros significados e possibilidades de uso. Em Hegel, traduzir “werden” para “devir”, como é feito no português, não tem o mesmo sentido. Em Nietzsche, “werden” assume a forma da “vontade de poder”, “will to power”, e o eterno retorno ao mesmo; ou em Heiddeger, onde “werden” assume a forma de “Geworfen sein des Daseins”, “trowness of beeing here” em inglês, ou em uma tradução bastante “estranha” em português “o lançar-se do ser-ai(aqui)”.

Ou seja, para finalizar, Flusser explica que as traduções são muito importantes e terão um papel fundamental para nos relacionarmos mais pacificamente com as pessoas de diferentes culturas. O que pode ser considerado “estranho” para nós, não deve ser classificado perante uma lógica que define a essência do que é certo ou errado, verdadeiro ou falso. As pontes tradutoras carregam em si mesmas uma impossibilidade para a compreensão exata dos significados das mensagens passadas em outras línguas (os próprios gestos podem produzir diferentes entendimentos nas diferentes culturas). Existem universos de significados, que contemplam o sentido de uma determinada expressão em uma língua, que não são logicamente compreensíveis com uma tradução direta em outra língua.

Para Flusser, o silêncio é supremo. Mas não um silêncio qualquer: apenas o silêncio autêntico seria capaz de adentrar a todos os universos. O silêncio é a única qualidade que existe em qualquer linguagem, em qualquer universo.

Portanto, fica aqui, uma reflexão que inspire o interesse em aprendermos novas línguas. Desta forma, podemos adentrar as muitas outras dimensões que existem em nosso mundo. Também, para que cultivemos o silêncio, pois ele é muito valioso.

Marcelo Canesin Dias