A palavra “mestre” carrega um peso que pode confundir quem a escuta. No ocidente, a palavra “mestre” está associada a três sentidos. O primeiro deles é o reconhecimento do grau de mestre, acadêmico, àquele que conclui o mestrado e se torna mestre ou como chamamos ao professor. No meio acadêmico, ou profissional (fora do circuito acadêmico), encontram-se pessoas que possuem esse grau, o expõem em seus currículos e redes sociais, e isso é muito bem visto pelas pessoas. O segundo é utilizado por aqueles que praticam artes marciais, nas quais o Mestre provou ser alguém experiente nessa arte e foi intitulado por meio de demonstrações e exames. Já o terceiro, é uma maneira pejorativa de chamar certos gurus, podendo ser encontrada em várias partes do mundo e praticada por pessoas que se dizem espiritualistas. No entanto, neste texto desejo abordar uma relação mais antiga, a qual envolve um Mestre e um discípulo: do valor dessa relação atrelado ao desenvolvimento de uma pessoa e ao propósito, mesmo que certas pessoas não a compreendam, por diversas razões.
Essa forma antiga de relação é um legado de longos anos, atravessada pelo tempo e cultivada em diferentes culturas, podendo se diferenciar em alguns aspectos, mas conectada em essência por certas características.
Uma dessas características é o sentimento de afeto e/ou de respeito dessa relação. Inicialmente, um ou o outro podem estar presentes, mas ao longo da convivência, o cultivo desses dois sentimentos reverbera de tal forma que outros elementos se encontram como o amor, a obediência, a liberdade, a disciplina, o sentido do legado, entre outros dependendo da construção dessa relação e da linha filosófica seguida. Vale ressaltar que a observância do elemento “obediência” está ligada uma forma madura de se relacionar com aquele que foi escolhido para ser o Mestre, não se tratando de seguir orientações de forma cega. No desenvolvimento humano se deseja expandir a consciência, não a talhar.
Outra característica é o Mestre ser percebido pelo discípulo como alguém que possui um conhecimento que o levará ao seu desenvolvimento. Apesar do discípulo desejar se desenvolver, esse sentimento não se trata de um utilitarismo ou adquirir vantagens do conhecimento alheio. É um desejo genuíno de aprender e se aprimorar.
Até aqui, já se percebe que essa forma de desenvolvimento tem um outro olhar e é bastante singular. Essas características são importantes para a compreensão de uma tradição que não se faz tão presente nos dias de hoje, mas tão importante para que outras pessoas saibam dessa vivência e, se tiverem a oportunidade de vivê-la e escolhê-la, poderão se identificar com uma visão de mundo que dá sentido à vida e, também, responsabilidade. Aliás, nessa noção de responsabilidade, quem escolhe o Mestre é o discípulo. É uma escolha de comprometimento consigo e respeito com o trabalho de quem desenvolve, pois é daí que se constrói uma base ética de como essa relação se desenvolverá e também para todas as outras características da relação Mestre discípulo. Assim, não cabe dizer que os discípulos são parte de “fã-clubes” ou qualquer fala relacionada nesse teor, pois existe uma fundamentação ética de respeito, de tradição, cujos valores estão expressos na lealdade, e não no culto à celebridade ou fama.
O desenvolvimento de si é outra particularidade dessa relação. Quando o discípulo escolheu o Mestre, o desejo de melhorar como pessoa vai influenciar numa mudança de si, pois o olhar não será mais o mesmo, a visão de mundo, os valores e o foco tomarão direções diferentes daquelas que o discípulo tinha antes. As pessoas notarão essas mudanças ocorrerem e é bastante comum elas estranharem. O foco no desenvolvimento de si faz parte desse comprometimento com o trabalho do Mestre. É algo que exige trabalho, tempo e energia. Com uma visão de mundo diferente, os hábitos dos discípulos irão se modificar também, uma vez que não dá para ser diferente e agir igual a antes. É incoerente com o trabalho de desenvolvimento.
O que manteve vivo até hoje esse conhecimento da relação Mestre discípulo é o cultivo do legado do trabalho dos Mestres. O legado é o que permite diversas obras chegarem ao conhecimento das pessoas e, por meio delas, as pessoas que se identificarem com tais obras e feitos poderão buscar a inspiração e o desejo de se desenvolverem. As obras de diversos Mestres influenciaram e influenciam até hoje as pessoas. Como seria a vida dessas pessoas caso não tivessem tido esse contato e identificação? Particularmente, é como se algo estivesse fora de lugar e a busca por esse desenvolvimento tomasse um rumo mais difícil.
Permitir que esse legado chegue às outras pessoas é trabalhar em prol da obra do Mestre, reconhecendo todo seu trabalho e a pessoa que o desenvolveu. Caso isso não fosse passado adiante, muitas outras pessoas não teriam a oportunidade de se desenvolver, inclusive quem lê esse texto.
O Mestre não precisa do conhecimento, pois ele já o tem, mas é evidente que não sabe tudo, e aprenderá juntamente com seus discípulos, a fim de alcançar maiores patamares, buscando levar e elevar a todos em sua volta, para que aqueles antes discípulos possam um dia se tornar possíveis Mestres.
Gostaria de ressaltar que a cultura Ocidental atribui muito pouco valor ou quase nenhum a esse tipo de relação. A ostentação e deturpação de diversas pessoas utilizando o título de Mestre e guru permitiram que o charlatanismo e o mau caratismo fizessem parte da imagem e ideia da palavra “Mestre”, por vezes descreditando uma real relação Mestre – discípulo.
Portanto, é sugerido que com certos públicos, o discípulo saiba atribuir o título mais coerente com a situação. No momento atual do século XXI, década de 20, as palavras professor ou mentor são melhor compreendidas pelas pessoas.
Atenção discípulos! Considerar a alguém como Mestre pode mexer bastante com o ego e a inveja de outras pessoas. Algumas pessoas não entendem, e não querem entender, a razão de uma pessoa ser chamada de Mestre. Vão cultivar sentimentos estranhos, passarão a dizer (pasmem!) que o discípulo está sofrendo de lavagem cerebral, terão ações hostis, disfarçadas ou não, entre outras narrativas que não condizem com a visão de mundo de desenvolvimento pessoal e humana dentro de uma relação Mestre e discípulo.
A principal razão para o discípulo ser reconhecido não são só suas boas qualidades, o respeito, as boas maneiras, as atitudes e formas de agir. Tampouco pela sua curiosidade e fome de aprender sempre mais, nem sua força de vontade ou carisma. O entendimento para que o discípulo seja tal, é a escolha do seu Mestre. E ao Mestre, ser reconhecido não pelo conhecimento, inspiração, força, cordialidade e amor, mas por que ele foi o escolhido para o ser.
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