É, mais uma vez. Perdoe-me por essa insistência monotemática. Imagino que você esteja lendo, ouvindo ou vendo muito sobre a pandemia. Caso afastado do noticiário, das redes ou de conversas sobre o que se passa, ao mínimo você está vivendo em uma pandemia – de preferência, em casa, respeitando o distanciamento social, caso não tenha que ir para a rua se dedicar a serviços essenciais. Vivendo novas configurações sociais, desafios dos mais variados, das esferas individuais até a global.
O assunto, é evidente, já foi pauta inclusive aqui nos blogs que compõem o endereço eletrônico oficial do PEP-Rohm. Claudine fez um ensaio inspirador (leia, reflita, comente!) dividindo conosco a visão de grandes nomes pensantes de nossa sociedade e o que nos dizem sobre a pandemia. Apresentou-me o modelo da rosquinha, também comentado por Sofia, quem atrelou o propositivo conceito à reflexão da boa utilização das tecnologias digitais (agora aqui; leia e comente!).
Minha proposta honrosamente conversa com ambas, mas é outra, embora eu também recorde a liderança transformadora. Ela é uma das fundamentais linhas de pesquisa do PEP-Rohm e se baseia no tripé formado por foco, propósito e posicionamento, cunhado por Mestre Rohm. O dinamismo da representação triangular desses três aspectos propicia visibilidade de ineficiências e de necessidades de ajuste. É(, de forma eufemística,) difícil mantê-los em irrestrito equilíbrio. Por vezes, pode-se ter propósito, foco e ausência de posicionamento, quando dominados pela inércia, por exemplo. Na minha perspectiva – e desejo que me corrijam caso equivocado -, porém, é justamente na busca pela postura equilátera entre esses três elementos em que mora o fazer da liderança transformadora. Se a teoria é uma abstração, a tentativa de exercê-la é quando a utopia se vê colocada na prática da sociedade.
Na busca de colaborar com você com algum vento de esperança ou sentido que atravesse exemplos de liderança, e também de ajustar o meu posicionamento como errante navegante pepiano, esse espaço será dedicado para manifestações virtuosas perante o vírus. Empáticas, lidam com o diálogo e se utilizam de estratégias criativas na busca de um objetivo em comum. Geralmente, a sobrevivência, em suas variadas facetas.
Inumeráveis
Pensando em escrever, reli nesta manhã as minhas primeiras anotações de IPS120 (Psicologia das Organizações, disciplina lecionada por Mestre Rohm), do segundo semestre de 2017, quando escutei sobre liderança transformadora pela primeira vez na vida. Quando ainda acreditava que a maioria das narrativas críticas às tecnologias digitais era fundada em perspectivas exageradamente pessimistas e quando ainda podíamos nos aglutinar em sala de aula sem se preocupar com o corona.
De certo, muito mudou nesses quase três anos, inclusive na minha ingênua crença sobre as visões contrárias ao uso excessivo das tecnologias digitais, que causaram um dano, caso não irreparável, colossal ao Brasil. Hoje, no entanto, se elas conseguem amenizar de forma fugaz a solidez e a quietude do isolamento por intermédio das lives – as quais por vezes se tornaram espaço para propaganda irregular de empresas, registra-se -, também são capazes de funcionar como ferramentas de informação, esta imprescindível em tempos pandêmicos. Às vezes, vão além, como é a iniciativa comentada na primeira quarta-feira que escrevo a você.
Na tentativa de confortar os entes queridos, o memorial Inumeráveis é uma iniciativa que reúne uma frase, como uma epígrafe, de vítimas da covid-19. No seu sítio eletrônico, ela é acompanhada do nome e da idade de cada pessoa lá registrada, além de um singelo obituário. A plataforma é construída de forma colaborativa. Voluntários associados entrevistam parentes e amigos das pessoas falecidas para colher informações e auxiliar na criação das histórias.
O projeto transcende à solidária ajuda no processo de enfrentamento do luto e de sua aceitação, tão complexo diante da ausência de rituais comumente esperados, como velórios e outras manifestações de despedida. Ele nasce também do momento em que essas vidas são tratadas como simples estatísticas por autoridades [sic]. No fim do sítio, está lá explícito o seu intuito:
“não há quem goste de ser número
gente merece existir em prosa”
“Líderes veem as pessoas!”, diz Claudine, ao final de seu ensaio já comentado. “O que não está coisificado, o que não se deixa numerar nem medir, não conta”, escreve Adorno em Minima Moralia. Será que essas mortes precisam ser contadas para existirem? A enorme subnotificação e a insistência em desumanizar as pessoas que nos deixam, esvaziando-as em algarismos, parecem ser ações racionalizadas. Talvez para parecer que está tudo sob controle, talvez como chance para se apoiarem em ares de tranquilidade, evitando a culpabilização.
O Inumeráveis lembra que não. Não é necessário que se conte para que se exista. Nenhuma máquina fria de brilho de aluguel é capaz de simbolizar a perda dessas vidas. Não são só 7 mil. Os números não revelam Ricardo Maeda, de 44 anos, sobre quem se escreveu que “Ia ser um pai completo. Não teve tempo”. Nem José Aparecido de Lima, de 62 anos: “’Muito justo!’ era o seu bordão alto e grave, acompanhado de uma risada solta e rouca”. Sequer Isabel Cristina Dangelo Sianga, de 52 anos: “Em Indaiatuba, ninguém fazia bolos como a Bel”.
E daí?
Foi também na disciplina IPS120, notadamente nas aulas sobre o cinema, que uma forte lição foi assimilada por mim: a tristeza pode ser bela.
Não, não há nada que possa substituir a morte de entes queridos. O luto doloroso e pungente da pandemia será impagável, e não há de ser inutilmente. Ele possuí responsáveis que fazem aumentar a lista de dignas e singelas histórias do Inumeráveis, por conta de tanta negligência e imprudência.
Os escritos que lá estão nos aproximam dos gráficos, em um zoom mais potente que qualquer smartphone recém-lançado, e nos recolocam juntos uns aos outros. Pulsam em beleza por sua capacidade simbólica e pela potência transformadora que a empatia é capaz de gerar. Líderes calculam, mas não apenas. Líderes veem as pessoas. Líderes leem as prosas de seu país, como as que estão no memorial. Como as prosas de Aldir Blanc. Líderes se afetam.
Quarta que vem, alguma outra manifestação: da imprensa que não se cala, de alguma organização não governamental, algum empreendedorismo social. Ou exemplos de Responsabilidade Social Corporativa, de alternativas para sustento do pequeno comércio, de ações de escolas de samba, de gestos individuais, de algum compilado. Sempre de forma monotemática, sob compromisso da beleza e da transformação.
Sugestões são mais do que bem-vindas.
Até.