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Monotemática: LGBT+ na pandemia

No dia de 17 de maio de 2020 foi celebrado o Dia Internacional de Combate a LGBTfobia, em virtude da decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de retirar o termo “homossexualismo” da lista de distúrbios mentais do Código Internacional de Doenças, em 1990, despatologizando a orientação sexual oposta à heterossexualidade. O chamado “transtorno de…

LGBT+ significa lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e muito mais.

No dia de 17 de maio de 2020 foi celebrado o Dia Internacional de Combate a LGBTfobia, em virtude da decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de retirar o termo “homossexualismo” da lista de distúrbios mentais do Código Internacional de Doenças, em 1990, despatologizando a orientação sexual oposta à heterossexualidade. O chamado “transtorno de identidade de gênero”, por sua vez, só foi retirado pela OMS da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11) no dia 18 de junho de 2018.

Fato é que o dia marca uma grande conquista da comunidade LGBT+ especialmente se pensarmos no período em que a decisão foi concretizada – início da década de 1990, ainda reverberando a disseminação da AIDS. Para a comunidade LGBT, e aqui me refiro especialmente àqueles que nasceram na década de 1950 e 1960 e vivenciaram plenamente a demonização de seus corpos durante os anos de 1980, a situação em que vivemos hoje, com a pandemia da COVID-19, remete a dolorosas memórias.

Ainda se recuperando de ser colocada como criadora e proliferadora do HIV/AIDS, chamado de “câncer gay”, a comunidade LGBT se viu sendo novamente responsabilizada, sem nenhum embasamento que não a homofobia, pela atual pandemia em que vivemos, como vemos em exemplos nos Estados Unidos, Israel e Iraque. Situações como essas poderiam nos remeter a canções de Mariah Carey, como “Why you so obsessed with me?”, mas a verdade é que retratam os constantes e hostis preconceito, discriminação e ataque que a nossa comunidade sofre, dia após dia, ano após ano, século após século. Ainda que não estejamos no cerne da questão, somos colocados como culpados.

Esse sis(cis)tema de opressão, de maneira constante, coloca nossa comunidade em situação de vulnerabilidade social e emocional. A grande maioria só vive de forma plena sua orientação sexual e identidade de gênero quando estão entre amigos, família escolhida (chosen family), amantes, em cima de um palco performando de peruca ou sacudindo suas bandeiras, uma vez ao ano, nas paradas do orgulho. Tudo isso sem aquele acolhimento utópico o qual a casa e a família deveriam simbolizar, para além do distanciamento da família biológica, por opção ou não – tal qual quando são expulsos e jogados para fora de casa. Em um momento em que as autoridades de saúde e governamentais dizem “fiquem em casa!”, que casa é essa na qual a comunidade LGBT+ tem a opção de ficar?

Em Marselha, na França, um casal foi expulso do apartamento que alugava por serem “os primeiros a serem contaminados pelo covid”, em uma associação meramente preconceituosa em virtude da sua orientação sexual. Expostos a uma vulnerabilidade peculiar, que se diferencia da que a população como um todo está acometida, nossa comunidade está sim mais sujeita a este vírus, como aponta a Alta Comissária para Diretos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet.  

A Organização chama atenção para aqueles que são soropositivos na comunidade LGBT+. No Brasil, o HIV entre homens que fazem sexo com homens é uma realidade classificada como epidêmica e, ainda que estes não façam parte do grupo de risco, possuem uma rotina específica de cuidado com a saúde, necessitando, por exemplo, a retirada de medicamentos retrovirais em postos de saúde. A ONU também reforça a importância das autoridades de garantirem a manutenção de atendimentos e a oferta contínua de medicamentos para portadores de HIV durante a pandemia, não deixando que preconceitos afetem o acesso e a disponibilização destes remédios.

Outras questões de saúde preocupam quando estamos falando sobre uma pandemia de um vírus que ataca o sistema respiratório. Estudos mostram que o uso/consumo de tabaco por membros da população LGBT+ é 50% maior do que aqueles que não fazem parte deste grupo. A comunidade ainda apresenta quantidade significativa de pessoas com câncer e, consequentemente, com o sistema imunológico frágil. É importante salientar que as pessoas LGBT+ sofrem discriminação tanto de funcionários quanto do sistema de saúde em si. Como resultado, muitos relutam em procurar atendimento médico. Por vezes, nem em situações de urgência, de modo que o medo e a relutância possam significar um risco à saúde em tempos de COVID-19.

Falando sobre emprego de membros da comunidade aqui no Brasil, uma pesquisa nacional feita pelo coletivo #VoteLGBT, com participação de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que 21,6% dos respondentes estão desempregados e 20,7% não possuem renda. Destaco que essa pesquisa foi realizada por questionários online. Logo, é possível que não tenha alcançado algumas pessoas mais vulneráveis da comunidade e que os resultados, na realidade, sejam maiores. É preciso também destacar a dificuldade de acesso a renda por mulheres trans e travestis que atuam como profissionais do sexo (90% da população trans utiliza da prostituição como fonte de renda) e que, em tempos de distanciamento social, se veem sem sua principal fonte de renda (as que têm os recursos, estão fazendo atendimentos virtuais!).

Abrindo parênteses para falar sobre a população trans: já não bastasse todo sofrimento da parcela mais vulnerável da comunidade LGBT+, a transfobia não cessa, tampouco em tempos de pandemia. Alguns países da América Latina determinaram que, dentre as medidas de isolamento social, homens e mulheres só podem sair de casa em dias separados. Adivinhem? Houve casos de mulheres trans sendo multadas por sair de casa no dia designado para mulheres. Pois é.

Retomando as questões associadas à casa e à dificuldade de encontrar um  local de segurança durante a pandemia, uma pesquisa feita pelo aplicativo de relacionamentos Hornet com homens gays e bissexuais, cisgenêros e transgêneros, aponta que 1 a cada 3 homens se sente inseguro física e emocionalmente em sua própria casa. As razões, ainda que não estejam descritas na presente pesquisa, passam não só pelo preconceito intrafamiliar, quando estes homens residem com suas famílias, como também pela solidão daqueles que moram sozinhos, tendo em vista que a pesquisa feita pela #VoteLGBT também apontou que 28% dos respondentes possuem diagnostico de depressão.

Quando falamos das pessoas LGBT+ que não têm condição de morarem sozinhas ou que foram expulsas das casas de suas famílias, uma alternativa para sobrevivência são as casas de acolhimento, presentes em diversas cidades do país. Cada uma tem seu nome e sua administração própria, mas se apoiam mutuamente. Além de teto, fornecem alimentos e produtos de necessidade básica para pessoas LGBT+ marginalizadas, bem como desenvolvem atividades acadêmicas, de capacitação e culturais para seus residentes e para o publico externo, sempre contando com as doações e patrocínios para se manter. Na pandemia, em que tudo é muito urgente, escasso e necessário (e olha que a realidade anterior já era difícil pra caramba, viu?!), muitas vezes as casas de acolhimento veem seu volume de donativos diminuindo e os pedidos de abrigo aumentando.

Meu deus, José, você tem alguma coisa positiva para falar?

Ainda que a situação, que nunca foi favorável para a comunidade LGBT+, esteja especialmente difícil, algumas iniciativas recentes, frutos da mobilização da própria comunidade e, eventualmente, com o apoio de algumas marcas amigas da diversidade e de celebridades, merecem não só visibilidade mas também nosso apoio!

Falando sobre as casas de acolhimento, citadas acima, algumas iniciativas de arrecadação conseguiram levantar quantias significativas para apoiar estas instituições nesse momento de crise. A live do DJ de funk Rennan da Penha organizada por ONG Casinha, produzida pela Tenho Orgulho, Festival Universo e TODXS, arrecadou mais de 5 mil reais para organizações como a Casa Nem, Casa dos Direitos da Baixada, e para a própria Casinha. Outra live musical intitulada Festival do Orgulho foi organizada pela cerveja Amstel e pelo aplicativo de pagamentos AME. O Festival contou com a presença de artistas de grande visibilidade nacional (dentre elas a drag queen Pabllo Vittar) e arrecadou 115 mil reais que foram destinados às ONGs Casa Florescer, Grupo Pela Vidda e Projeto Séfora’s, Família Stronger e Arco Íris de Ribeirão Preto.

Outra iniciativa de arrecadação de recursos para casas de acolhimento em todo o país – nesse caso, sem performances musicais – foi o crowdfunding organizado pelo movimento All Out Brasil para apoiar estas instituições em sua manutenção, compra e distribuição de materiais de limpeza e higiene, além de alimentos. A iniciativa arrecadou aproximadamente 54 mil reais e beneficiará CasAmor LGBTQI+ (Aracaju), Astra Direitos Humanos e Cidadania LGBT | Acódi LGBT (Aracaju), Casa Transformar (Fortaleza), Casa Miga Acolhimento LGBT+ (Manaus), Casa da Diversidade Niterói (Niterói), Transviver (Recife), CasaNem (Rio de Janeiro), Casa Aurora (Salvador), Casa dos Direitos da Baixada (São João de Meriti), Casa Chama (São Paulo), Casa Florescer 1 (São Paulo) e Casa Florescer 2 (São Paulo).

A enxurrada de links é importante para que conheçamos, visibilizemos e apoiemos estes projetos, por isso deixo as referências para você, leitor, agir!

Falando um pouco sobre arte, a #VoteLGBT, o mesmo coletivo que realizou a pesquisa citada anteriormente, criou durante a quarentena o LGBTFLIX, uma plataforma que compila gratuitamente, e sem vínculo com nenhuma empresa de streaming, mais de 200 curtas-metragens de temática LGBT+! O objetivo da iniciativa é trazer entretenimento para a comunidade LGBT+ durante este período de isolamento social; na plataforma, você pode escolher conteúdos de cada uma das letras da sigla,  para todos os gostos!

Se quer e pode ajudar financeiramente com alguma iniciativa, aqui compartilho duas: o Fundo de emergência para pessoas TRANS organizado pela Casa Chama, de São Paulo, já arrecadou 83 mil reais e ainda está com período de arrecadação aberto! No link, há todas as informações sobre a Casa Chama e ao que ou a quem será destinada a quantia arrecada. Outra iniciativa é a vaquinha do Acolha migrantes e refugiades LGBTI na quarentena, organizado pela ONG LGBT+ Movimento e o Isoporzinho das Sapatão, que já arrecadou mais de 4 mil reais e visa auxiliar a comunidade LGBT+ migrante e refugiada no Rio de Janeiro durante a quarentena – novamente, todas as informações estão disponíveis no link da vaquinha! Nem toda a ajuda é financeira, evidentemente. Como eu disse antes, dar visibilidade a esses projetos e ações é essencial, logo, compartilhar também ajuda!

Tais iniciativas mostram um caminho de luz, em meio a tanta adversidade, e a capacidade de união de nossa comunidade, marginalizada, que após a epidemia da AIDS na década de 1980 enfrenta agora mais um grande desafio com a COVID-19 – e este certamente não será o último. Mestre Rohm, liderança transformadora que me inspira e ensina tanto, é um exemplo deste processo de superação e reinvenção que precisamos nutrir e converter em ação concreta no mundo para que mantenhamos acessas em nós a chama da transformação, e possamos ser velas que acendam outras velas.

Bom, gente, é isso! Acho fundamental compartilhar com vocês a realidade da comunidade LGBT+ nesse cenário de pandemia, destacar boas movimentações que já ocorreram e chamá-los a apoiar iniciativas como as citadas, não só durante a pandemia!  Com prudência, cuidado, seguindo orientações científicas e com união de nossa comunidade e daqueles que, ainda que de fora dela, apoiam-nos, iremos superar essa pandemia da COVID-19 e espero que em breve – e aqui resgato novamente a diva Mariah Carey – possamos cantar Touch My Body. Juntos.

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  • Inspiração:
    David Bowie

    Eu não sei para onde vou a partir daqui, mas eu prometo que não vai ser chato.

4 respostas

  1. Avatar de Felipe Tinoco

    Zé,
    que felicidade poder lê-lo por aqui, no blog do PEP! E ainda sobre essa perspectiva, tão cara a você e tão necessária de ser debatida e colocada à tona na pandemia. A situação dos grupos de vulnerabilidade social, mais do que nunca, carece de muita atenção e muito cuidado pela sociedade civil e pelas autoridades desse país e do restante do mundo. Com os LGBT+, infelizmente, não é diferente, diante de um cenário minuciosamente comentado por você com muita perspicácia. Obrigado por dividir conosco, com seus toques de leveza e sua assertividade particulares e admiráveis, o contexto no qual a comunidade em questão é colocada e tantos dilemas que surgem por conta da doença e da necessidade do isolamento social. Seu trabalho de pesquisa das ações propositivas, assim como o convite para que ajamos diante dessas situações, é inspirador – como Mestre Rohm! Bem citado por você, Mestre é uma potência, liderança e exemplo para os que o conhecem!

    Fico contente que sua estreia no do PEP tenha se dado de forma tão bela e estou orgulhoso por você ter ajudado a colocar mais uma pedrinha nas quartas-feiras de Monotemática! Foi um absurdo, uma maravilha. Parabéns! Meu humor: espirituoso.

  2. Avatar de Marcelo Canesin

    Muito bem José, é um prazer ler seu texto, muito legal a iniciativa de trazer os links que dão acesso às páginas e vaquinhas das ONGs e grupos. Assim, podemos acompanhar um pouco das iniciativas que são promovidas em torno da causa LGBT+, que precisa sobreviver a esse caos da pandemia. Os dados são muito tristes e a história é desastrosa… por mais que muitas conquistas foram alcançadas, são muitos retrocessos! É inaceitável a realidade que a comunidade vive, apesar disso é a mais pura verdade…. precisa mudar! Obrigado pelo texto e por tantos detalhes, voce escreveu com muito carinho e traz esperança. Um beijo grande!

  3. Avatar de Gabriela Costa

    Parabéns pelo texto, Zé! por nos lembrar da luta que existiu para que estejamos aqui, e continua existindo com a necessidade de resistirmos aos retrocessos e avançarmos. Sua criatividade e humor, bem como a menção ao exemplo de Mestre Rohm trouxeram ainda mais beleza ao texto. Beijo!

    Humor: espirituosa.

  4. Avatar de Gabriel Valuano

    Querido,
    parabéns pelo texto. Eu amei lê-lo e aprender mais com você. Sua escrita cativa até o final, ficou ótimo! O seu trabalho de pesquisa nos trouxe diversas iniciativas de organização e mobilização da própria comunidade LGBT+ na luta pela sobrevivência e pelo seu espaço na sociedade, com dignidade e respeito. E demonstrou que a luta se dá não apenas agora, durante a crise agravada pela pandemia, mas sempre, nessa realidade que possui como modus operandi estruturante de si a opressão continuada e articulada. Resgatando o contexto histórico, fica ainda mais evidente! É fundamental sabermos e nos atentarmos sempre para essas iniciativas para que possamos participar e colaborar como pudermos e de forma cada vez mais efetiva. A realidade é desoladora mesmo, como foi apontado aqui, mas nos rememora a necessidade de nossas ações organizadas para a construção dessa transformação. Muito obrigado pela sua contribuição, Zeta!

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