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Programa de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Humano, Formação de Lideranças Transformadoras e Governança Social
Eponina, Ernesto Nazareth

Notícia

Monotemática: Favelas

“É por isso, portanto, que todas as quartas-feiras, até ser possível, a monotemática dará expediente no presente blog mais uma vez. Na busca de colaborar com você com algum vento de esperança ou sentido que atravesse exemplos de liderança, e também de ajustar o meu posicionamento como errante navegante pepiano, semanalmente o presente espaço será…

Monotemática: favelas

“É por isso, portanto, que todas as quartas-feiras, até ser possível, a monotemática dará expediente no presente blog mais uma vez. Na busca de colaborar com você com algum vento de esperança ou sentido que atravesse exemplos de liderança, e também de ajustar o meu posicionamento como errante navegante pepiano, semanalmente o presente espaço será dedicado para manifestações virtuosas perante o vírus. Empáticas, lidam com o diálogo e se utilizam de estratégias criativas na busca de um objetivo em comum. Geralmente, a sobrevivência, em suas variadas facetas”

é o que diz o primeiro texto da série semanal, como quero relembrar antes de dar início à outra perspectiva de ações sobre a pandemia.

Monotemática agora é díade. Ao menos até a próxima quarta-feira, quando outro texto sobre práticas virtuosas relacionadas à pandemia completará o terceiro da lista. Se o primeiro se relacionava à forma bela de registrar as vidas perdidas, e à amplidão destas para além de números, hoje versaremos sobre ações relacionadas com as favelas, locais historicamente negligenciados pelo Estado, com características – ou ausências – que podem auxiliar na proliferação do vírus. Locais que são impostos a dificuldades criadas pela forma como a qual nos organizamos como sociedade. Enfrentam questões sociais, como excessiva coabitação, e aspectos de locomoção e infraestrutura que demandam ações discernidas.

Após o cancelamento do Censo em 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo 2010 continuará sendo, por pelo menos mais um ano, a última versão da grande pesquisa nacional realizada de década em década, na qual se revela o retrato do país em suas noções demográficas, sociais e culturais. Informação, poder.

Há 10 anos atrás, a pesquisa registrava mais de 11 milhões de pessoas morando em favelas, divididos em quase 7 mil diferentes complexos, totalizando aproximadamente 3 milhões de domicílios. Ao mesmo tempo que seus moradores possuem a capacidade de movimentar mais de 100 bilhões de reais por ano, de acordo com pesquisa “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, promovida pelos institutos Data Favela e Locomotiva, e ao mesmo tempo que mais da metade destes possuem acesso à internet, também de acordo com o Data Favela, persistem em existir dificuldades históricas relacionadas ao acesso à água e ao saneamento básico em todas as regiões do país.

Infelizmente, de forma semelhante, suas condições não geram boas estatísticas oriundas da covid-19 sobre as favelas, como dizem reportagens como esta.

Potência

Abandonando novamente a frieza dos números, a contextualização evidencia a imprescindível discussão, desenvolvida em ações, sobre a situação das favelas em um momento de extrema delicadeza. A necessidade de higienização e mobilidade preventivas, enquanto o auxílio emergencial carece de tranquilidade para ser acessado, torna ainda mais relevante a prática de medidas auxiliares às zonas negligenciadas pelo poder público.

O já conhecido trabalho da organização não governamental (ONG) Voz das Comunidades continua firme em prol das pautas que defende desde 2005. Criaram o “Pandemia com Empatia”, campanha com a finalidade de arrecadar materiais que possibilitem a prevenção de famílias vulneráveis à pandemia, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além da ação pragmática, realizada para preencher de forma situacional as lacunas geradas pela desigualdade social, o Voz também criou um monitoramento independente sobre os casos de covid-19 nas favelas. Atrelando diferentes fontes, transparece os dados com objetividade e recursos visuais, fortalecendo a possibilidade de tomada de decisão e contrariando relativizações possíveis da doença – que não é uma gripezinha.

A ONG também lançou um aplicativo próprio que visa combater a desinformação sobre a pandemia, com seções intituladas “ao vivo”, “fatos” e “jornal”, com dados em tempo real sobre acontecimentos, notificações de alerta, classificando notícias como verdadeira ou falsas, além de concatenar as publicações do próprio veículo Voz das Comunidades. Ainda criou um gabinete de crise no Complexo do Alemão, junto com os coletivos Mulheres em Ação no Alemão e Papo Reto, visando auxiliar famílias com suspeitas de covid-19.

O coletivo Papo Reto igualmente atua na distribuição de mantimentos e materiais de higiene a famílias cariocas que residem em comunidades, e também trabalha na disseminação de informações de prevenção e de dados atualizados sobre a pandemia, tão nebulosos e contraditórios entre autoridades.

De forma semelhante vem agindo o coletivo Fala Akari, liderado pela ativista Buba Aguiar. Ela – quem já sofreu com o exílio depois do assassinato de Marielle Franco, sua colega de ativismo, conforme matéria que concebeu seu perfil na revista Piauí – foi personagem de uma reportagem audiovisual do jornal The Guardian sobre a situação das favelas do Brasil e as ações de lideranças comunitárias.

O mesmo veículo britânico também realizou uma reportagem sensível sobre a morte de sambistas e membros relacionados às escolas de samba por covid-19. As agremiações, que possuem como base de suas comunidades as diversas favelas espalhadas pelo Rio de Janeiro, também estão atuando fortemente na fabricação de milhares de máscaras, no recolhimento de donativos e na distribuição destes. Algumas escolas ainda estão divulgando pequenos comerciantes em suas redes sociais, para que consigam dar prosseguimento à comercialização de seus produtos e possam receber encomendas, amenizando o impacto financeiro em suas receitas.

Por sua vez, a instituição Redes da Maré criou a campanha “Maré diz não ao coronavírus”. A favela considerada como bairro mais populosa da cidade recebe auxílio da Redes por meio da entrega de alimentos e materiais de higiene que constituem as cestas básicas, pelas produção e distribuição de aproximadamente 300 refeições por dia na região e pela arrecadação de equipamentos de proteção. Na campanha, ainda há a geração de renda para mulheres que preparam refeições e máscaras, além da realização de uma recente chamada pública que apoiará artistas com recursos financeiros, auxiliando-os no sustento de seus projetos. 31 propostas serão selecionadas, em uma quantia destinada de até 135 mil reais totais.

Por falar em cultura, as ONG e demais organizações presentes nos espaços da favela que sejam relacionadas às manifestações artísticas ou esportivas, após a paralisação de suas atividades, também realocaram sua infraestrutura e os esforços de seus membros. É o caso, por exemplo, do Abraço Campeão, que se tornou um centro de distribuição de doações no Complexo do Alemão.

Do outro lado

Tanta potência e força social pulsam, por necessidade, nas favelas cariocas – e em tantas outras do estado do Rio de Janeiro, e mais em tantas outras do país, as quais precisam de outros textos específicos só pra elas para que sejam bem retratadas. Essas ações confirmam a possibilidade de mudança do espaço público defendida pelo sociólogo Manuel Castells. No livro Redes de Indignação e Esperança, e em entrevistas, o pensador reforça a necessidade de se pensar de forma global e agir de maneira local como possibilidade efetiva de intervenção – desdobrada perante teias formadas pela sociedade contemporânea.

As movimentações aqui citadas são exemplos fidedignos da prática desse pensamento, e até “rede” algum de seus nomes possui, tal qual a da Maré. As lideranças das organizações sociais comentadas acima aplicam ações focadas em suas realidades ao pensar de forma ampla não só a pandemia, como também as facetas possíveis de vida. Não se apequenaram diante da doença planetária e movem esforços para que continuem realizando o papel fundamental que exercem em um país que tanto esquece, ou faz questão de não lembrar, de sua gente.

Do outro lado, outras organizações chegam juntas para somar. A associação de reclusos Eu Sou Eu exerce ações específicas em favelas para distribuição de materiais de proteção e higiene e de alimentos. O projeto SAS Brasil, uma instituição sem fins lucrativos formada por amigos com o desejo de devolver à parcela menos privilegiada da sociedade brasileira o “investimento feito em sua educação em universidades públicas de reconhecimento internacional”, visitou o Morro do Alemão para implementar um programa de telemedicina com o intuito de atuar no combate à pandemia da região.

O Insitituto Ekloos, que beneficia projetos na área social, lançou um programa de aceleração especificamente voltado para a pandemia, denominado “impactô especial covid-19”. Ele objetiva, de forma gratuita, impulsionar negócios sociais e ONG do Rio de Janeiro e de São Paulo. 16 iniciativas serão selecionadas e receberão aporte financeiro e trabalhos de capacitação.

Por fim, a totêmica Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) continua parceira da sociedade civil e, na crise mais recente, lançou o selo “Fiocruz Tá Junto”. Ele valida materiais de comunicação distribuídos a populações periféricas por organizações ou coletivos, com o intuito de gerar as recomendações mais adequadas. A Fiocruz também assina, junto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), unidos a lideranças do Alemão, da Cidade de Deus, da Maré, da Rocinha e do Santa Marta, um plano de ações para enfrentamento da covid-19 nas favelas.

¹ A imagem de capa da segunda edição deste blog, intitulado Monotemática, é resultado de colagens baseadas na obra do artista Abdias do Nascimento.